segunda-feira, 22 de março de 2010

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27314


“Posso usurpar sorrindo os cândidos louvores”
E deles produzir cenários mais cruéis
E quando se bebesse apenas estes féis
O mundo não teria ainda novas cores.
E sei que te seguindo aonde ainda fores
Deixando para trás o que pensara em méis
Seria bem melhor em vários carretéis
Usando da clemência invés de tais terrores.

Mas sôfrego caminho imerso em solidão
E bebo da mortalha e nela o meu verão
Eternizado em dor explode em neves fartas
Assim desta passada atroz e mesmo inútil
O que pensara ser bem mais que simples fútil
Estrada sem final, da qual já não te apartas...

27315


“Para saber se desse amante tão intenso”
Ainda poderia crer algum momento em paz
O quadro em luz opaca, agora se desfaz
Deixando em seu lugar este vazio imenso.
E quando noutro rumo eu teimo e ainda penso
Meu passo não se faz e tudo ainda traz
A voz já tão cansada um ar bem mais mordaz
Do qual com galhardia, às vezes me convenço.

Eu poderia ter além da podre face
Algum momento aonde expondo um vago impasse
Trouxesse mesmo alento a quem se faz mortalha,
Mas nada me impedindo eu sigo em voz atroz,
Bebendo cada gota, exposta e tão feroz,
Da morte que me toca e agora me agasalha.

27316


“De nardo e mirra, de iguarias e licores,”
O mundo prometera a quem se deu em paz,
Momento mais feliz, e nele satisfaz
O quanto se deseja além destes fulgores,
Mas quando a realidade agrisalhando cores
Expõe o fardo amargo e nele a voz mordaz
Do peso da esperança, eu sei tanto voraz
Matando no canteiro o que pensara flores.
E tendo esta verdade em minhas mãos exposta
A carne dia a dia, eu sinto decomposta
E o medo trafegando aonde quis delírio,
Açoda-me o vazio e nele eu me desfaço,
Pudesse traduzir bem mais tranqüilo o passo,
Mas resta ao caminheiro apenas vil martírio...


27317


“E aqui, de joelhos, me embebedarei de incenso,”
Após a noite aonde imaginara um brilho
E nele com ternura, enquanto maravilho
Podendo até tentar um dia claro e imenso.
Mas quando o sol renasce eu sei e me convenço
Do quanto em dor e medo, ainda tonto trilho,
Esgarça-se este pano e puído trama o denso
Caminho aonde tanto eu quis acreditar
Possível ter a sorte em luz quase solar
De um tempo mais feliz. Quem dera se possível,
Mas tudo não passando apensa de ilusão,
As horas transcorrendo o fim me mostrarão,
E o corte se aprofunda e o medo em mim, terrível.


27318


“E assim, como eles, quero inteira redourar-me;”
Viver como se fosse um momento feliz
Aonde a realidade em luzes me bendiz
E tendo plena glória enfim poder guiar-me

Mostrando ao meu caminho o quanto pude amar-me
Embora seja amarga e imensa a cicatriz
Do quanto poderia ainda mais que eu quis
Sem ter no olhar a cruz que tanto me desarme

Expresso a solidão em verso mais venal
E tendo ausente porto, adentrando esta nau
Vencendo o dissabor em tétrica aversão

Amor em dores feito escravizado ser
Na angústia traduzida além de algum poder
Traçando o que bem sei expõe a podridão.

27319

“Farei tal qual fizera ídolo de outros ritos”*
Seguindo o meu caminho em luzes variáveis
E nelas poderei momentos adoráveis
Diverso do que outrora imaginara em mitos,
Os dias que passei em rumos mais finitos
Podendo acreditar nos cantos tão louváveis
E mesmo quando imerso em solos quando aráveis
Ainda que eu tentasse ouvir do sonho os gritos
Jamais eu poderia entranhar a verdade
Sem ter dentro de mim o quanto ainda brade
O peso do passado; expressa o nada ser
E quanto mais voraz, ainda que tentasse
Mantendo tão somente a dor de algum impasse
E nele com certeza o rumo em vão perder...

* o verso original seria “Farei tal qual os ídolos dos velhos ritos”, mas como há quebra de ritmo com relação ao alexandrino tomei a liberdade de alterá-lo para não perder o ritmo.



27320

“Pois se tão bela sou que ele deseja amar-me,”
Mergulharia em vão nos braços do vazio,
E quando tendo o não, eu mesmo me recrio
Podendo ver no fim, quem tanto ainda me arme
E sendo sempre assim, a voz que ao revoltar-me
Sonega uma alegria, e expressa o resguardar-me
Qual fora o desalento e nele o desafio
Ainda que dorido, o medo assim desfio
Gerando o meu pavor, e nele o revoltar-me.

Estúpida quimera, a sorte do não crer,
Encontra algum alento aonde pude ver
A sombra do passado em mim já lacerando
O que talvez pudesse entranhar a verdade
E nela o desafio além do que degrade
Matando a sonhadora em fogo amargo e brando.


27321


“Sua mulher nas praças perambula aos gritos:”
E nesta insensatez se percebe o quão dorida
Se mostra a realidade amarga desta vida
Aonde se mostrasse estúpidos tais ritos.
O sonho mais atroz invade os infinitos
E traz uma alegria há tanto em despedida
E nela a sordidez, aos poucos sendo urdida
Mostrando-se em nudez os cantos mais aflitos.

Eu pude perceber a minha própria dor
Ao ter no meu olhar a vida a decompor
Palavras tão venais resumem a ilusão
E nela perecendo o encanto que eu queria,
Traçando a realidade, esqueço uma utopia
E sei das vastidões dos nadas que virão.

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