sábado, 27 de março de 2010

27704/05/06/07/08/09/10

27704

Tremenda jogatina diz a sorte
Que tanto me polui quanto me engana
A poesia outrora soberana
Agora se condena à própria morte,
Sem ter sequer quem mesmo inda conforte
Uma arte que já fora soberana
Ao ser tão destroçada em voz profana,
Não tendo na verdade sequer norte.
Jogada pelas ruas só mendiga,
Morrendo em modernismos, mesmo antiga
Mal se percebe dela os velhos ossos,
Estúpidos espectros do presente,
Maltratam esta estúpida indigente,
Não restarão talvez meros destroços.


27705



Urdindo com palavras o que sinto,
Não deixarei calar quem tanto fez
Comigo e com a vida a estupidez
Gerando este vulcão agora extinto,
E quando de azulejo ainda pinto
O céu que na verdade mais não vês,
Palhaço, tosco e torpe já desfez
Avinagrado vinho, outrora tinto.
Assim a pobre Musa mendigando
Carinhos pela rua, quando em bando
A corja se mostrando mais audaz,
Desnuda a caricata criatura,
E ainda com torpeza me assegura
Que o verso feito ultraje inda é capaz.


27706

Na lápide escreveste a ferro em brasa
O quanto tu querias muito bem
Cadáver putrefeito sem ninguém
Nem mesmo quem deveras já se atrasa.
O enterro desta estúpida compraza
Enquanto outros abutres chegam, vêm
E comem cada resto que contém
A sorte desditosa, cortando a asa.

E agora em mil destroços vejo aquela
Que há tanto desde a Grécia se revela
A deusa mais perfeita e mais bonita,
Achincalhando assim a poesia
Quem tudo já destrói e nada cria
Ainda em redenção teima e acredita?


27707


Quem sabe faz agora e muito bem
Quem não, ao menos deixa a pobre em paz,
Pior do que se fosse Satanás
Abutres mais famintos sempre vêm
E comem cada parte desta que
Um dia se mostrara mais contente,
O fim da poesia se pressente
Somente um idiota nada vê.
Um crime, com certeza isso percebo
Usando algum remédio em falsa dose,
Ainda tem jumento que isto goze,
Matando quando quer com tal placebo,
Veneno a se fartar, tosca peçonha,
O que falta deveras é vergonha!

27710

Não vou ficar aqui calado e apático,
A sorte num momento se perdeu,
Não venha perturbar se sou ateu,
Problema todo meu, mesmo lunático
Direito de não ser sequer simpático
É tanto quanto teu, decerto meu,
Se até Bocage aqui já se fedeu
Melhor é traduzir em senso prático,
Chutando tantos anos de uma história
No mínimo é preciso ter respeito,
Soneto necessita ser bem feito,
Senão a coisa fica merencória,
Primeiro é conhecer a matemática
E o resto só se aprende é com a prática.



27708

Não deixe que consigam transformar
Demônio num querido querubim,
A praga se espalhando no jardim,
Depois vai destruir o teu pomar,
Deixando para trás qualquer luar,
Quem sabe reconhece, dando fim
A toda a palhaçada e mesmo assim,
Um idiota chega e quer brigar.
Liberdade? Direito, reconheço,
Porém não justifica no momento,
A falta mais completa de talento
Decerto merecendo outro endereço,
Perdoem minha tal sinceridade,
Quem sabe, pode vir, mas alto brade!

27709

Adormecida há muito esta quimera
Vencida pelas mãos mais agressivas,
Aonde imaginara ainda vivas
Estanca-se afinal a primavera.
E quando no vazio se tempera
As vozes devem ser bem mais ativas,
Plantando no canteiro sempre-vivas
Não quero só colher abrolho ou hera.
Jagunço das palavras; se preciso,
Não tenho na verdade algum juízo,
Defendo esta banal vaga senhora
Que a cada novo dia mais eu vejo,
Morrendo sem ter glória nem lampejo,
Somente opacidade inda a decora...

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