1
“O palpável é nada. O nada assume a essência
De todo este universo aonde eu poderia
Pensar em ter no olhar além da fantasia
O mundo mais sutil, deveras em clemência.
Porém ao nada ter; percebo esta insolência
Do quanto desejara e quando se fez fria
A noite em que meu sonho em triste alegoria
Não deixara sequer pensar com paciência.
Perdendo o que talvez ainda me trouxesse
Quem sabe alguma luz, ou mesmo rara messe,
Não vejo nova senda a não ser a que eu tinha
E tendo este vazio, aonde percorrer
Se nada se transforma e morto algum prazer,
A sorte noutro tanto eu sei não fora minha.
2
“O que foi, torna a ser. O que é, perde existência”
E assim no quase tendo eu vejo o nada ter,
Mergulho neste abismo e nele posso ver
Somente o que já fora imensa penitência.
Percebo inútil fardo, e nele a coincidência
De um mundo mais atroz sem luz e sem poder,
Vagando em noite escura, apenas posso crer
Na sorte tão ingrata em torpe convivência.
Não quero ter no olhar um brilho traiçoeiro
Tampouco imaginar o sonho derradeiro
Que possa me levar às crenças mais vulgares.
Sem ter a direção, vagando insanamente,
O quanto desejei agora se desmente,
Deixando em névoas vãs os mais belos luares.
3
“E o duro coração se abranda por encanto”
Quando se percebendo um dia em luzes feito,
Porém se faz vazio e insano velho peito
Numa realidade em mágoa, dor e pranto,
Pudesse imaginar além do que ora canto
O amor mais desejado e nele todo o pleito
De quem tentara em vão viver mais satisfeito,
E vendo tão somente agora este quebranto
Não posso permitir caminho mais suave,
Por mais que a dor insista e o medo tudo agrave
Quem sabe no final, após a tempestade,
Bonança se aproxime e tome seu lugar.
Quem dera se tivesse ainda onde lutar,
Somente escuridão, deveras já me invade...
4
“Já sinto estremeções; o pranto segue ao pranto,”
E tudo se desfaz em grave pesadelo,
O sonho do passado, agora ao não contê-lo
Deveras inda tento, e mesmo em desencanto
Pudesse acreditar, no sol em raro manto,
Mas como? Nada tendo, estendo-me ao novelo
E tento disfarçar ousando mesmo um zelo
Que sei ser tão vazio e nele sinto o espanto
O parto sonegado, aborto dentro da alma,
Nem mesmo a fantasia ainda vem e acalma
Quem tanto se perdeu em noite escura e vã,
Percebo quão sobejo o rumo florescido,
Mas nada mais terei, semente em vago olvido,
Morrendo sem o sol, espera outra manhã...
5
“qual de uma harpa eólia o triste delirar”
Tornando um tempo audaz em solitária senda,
E quando sobre o olhar a imensa e tosca venda
A sorte se perdendo, ausente meu luar.
O gesto mais feliz, quem dera desfrutar,
Porém a solidão aos poucos já desvenda
Destroça qualquer sonho, envolve em torpe lenda
O mundo que talvez ainda possa ousar.
Mesquinha fantasia, a morte se aproxima
E nela se percebe além do que ora prima
A fonte de um momento em paz e me sereno
Tocado em minha pele, o vento imenso e frio,
Aonde a realidade, aos poucos eu desfio
Bebendo finalmente, o amor, cruel veneno...
6
“Começa em vagos sons meu estro a palpitar,”
Gerando a poesia aonde algum porvir
Talvez se demonstrasse, e quanto ao te sentir
Não pude nem sequer, talvez imaginar
Momento mais audaz, aonde em luz solar
Ouvindo esta esperança ainda aqui bramir
Por mais que amor pareça um sagrado elixir
As suas tentações eu nunca pude alçar.
E vago em noite vã, buscando alguma imagem
E apenas encontrando o que se fez miragem,
Jamais navegarei em mares tão profundos.
Pudesse ter no olhar o brilho que guiasse,
A vida não seria assim um tolo impasse,
Teria em minhas mãos, decerto vários mundos...
7
“Revive na saudade, há tanto descorada,”
A sorte que percebo em luzes mais sutis
Deixando para trás o que se fez feliz
Moldando no vazio alguma madrugada,
Depois de tanto tempo eu sinto o mesmo nada,
E quanto mais pretendo o tempo contradiz
Sonega esta esperança e a morte então se quis
Deixando mais tranqüila, o que se fez estrada.
Resgato a cada verso as sombras de um passado
Há quantas necessito um dia abençoado,
Mas tudo me traduz em dor e fúria intensa,
Não posso conceber algum sorriso em paz,
Somente a tempestade, a vida ora me traz
Quem sabe a morte seja, última recompensa!
8
“Ai, plácida mansão, de espíritos morada,”
Há quanto te desejo e nunca percebi
Que tanta fantasia ainda existe em ti,
Permita então tal sonho em noite enluarada.
Morrer e descansar, após a longa estrada
Que outrora conhecera e agora descobri
Ausente de esperança, e nela me perdi,
Descrente coração, mergulha neste nada.
E sabe que talvez ainda possa crer,
Mas tudo se transforma em tanto desprazer
Moldando este vazio aonde penetrara
Em tempestade tanta, imensa escuridão,
Sabendo que somente as dores mostrarão
O fim desta jornada, outrora bela e clara...
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