sexta-feira, 26 de março de 2010

HOMENAGEM A CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

A MÚSICA DO MORTO
(OFERTÓRIO)
Minh’alma, que por ti soluça e chora
o fel de um pranto amargo e delirante,
inda agora repete, a todo o instante,
estes versos que eu vou dizer-te agora.

— Aquela voz monótona e chorona
da gaita do gaiteiro, dolorida,
era tal qual essa outra voz sentida
do humano coração, que é uma sanfona,
e vive, — quando o Amor, triste, o abandona,
quando a Esperança morre, emurchecida,
prosseguindo o seu longo itinerário,
no deserto do peito solitário,
— a sanfonar a música da vida.

1



“A sanfonar a música da vida”
Por vezes me perdendo noutros tons,
Escuto da esperança antigos sons
E a vejo tantas vezes já perdida

A sorte quando e vão é percebida
E dela se concebem falsos dons,
Momentos que julgara mesmo bons
Perdendo a direção nega a saída

Saudade diz do quanto desejara
A vida mais tranqüila, mansa e clara,
Mas quando se traduz em nada ter,

Ouvindo da sanfona os dissonantes
Acordes que tentara por instantes,
Desvendo tão somente o desprazer...

2

“no deserto do peito solitário,”
Aonde se pudesse acreditar
Além do raro raio do luar,
Momento em alegria, claro e vário.

Sabendo o coração noutro fadário
Mergulho no vazio a se mostrar
E nele posso mesmo adivinhar,
O quanto desejara e sei contrário.

Apego-me ao vazio e tento a sorte
Que tanto possa crer quanto conforte
E mude a direção deste caminho,

Mas sei quanto é dorida a sina feita
Na luz ainda opaca e insatisfeita
Deixando este andarilho então sozinho...


3


“prosseguindo o seu longo itinerário,”
O amor não me permite solução
E apenas os vazios moldarão
O que pensara outrora solidário.

Vislumbro a insensatez deste cenário
E crio a mesma inglória solidão
E vejo noutra senda a escuridão
Aonde imaginara um lampadário.

Assisto à derrocada deste sonho,
E quando noutro rumo me proponho,
Seara se transforma plenamente,

E tudo o que era luz mostra-se escuro,
Somente traduzindo o que perduro
A própria realidade me desmente...


4

“quando a Esperança morre, emurchecida,”
Somente traduzindo o meu jardim,
Sonego desde sempre e nego o sim,
Deixando a caminhada sem saída.

Aonde se perdera a própria vida,
Moldando o que pensara ter enfim,
Destroço este caminho de onde vim,
E a luta se mostrando já perdida,

Quisera ter a chance de poder
Ao menos conhecer algum prazer,
Mas nada se traduz felicidade

E quando ainda resta algum nuance
Por mais que contra o medo inda me lance,
Somente o nada ter, minha alma invade...


5


“e vive, — quando o Amor, triste, o abandona,”
Apenas do passado, o coração,
Nem mesmo novos dias me trarão
Enquanto as dores; sinto, vindo à tona.

E quando o sofrimento já se adona
De uma alma transformando em negação
Aquilo que pensara em solução
Somente num segundo em vão tampona.

O peso de uma vida solitária
Tocada pela insânia temerária
Gerando o nada ser dentro de mim,

Pudesse acreditar em nova sorte,
Mas quando este vazio me comporte
A seca destroçando algum jardim...

6


“do humano coração, que é uma sanfona,”
Enquanto se mostrasse em plenitude,
Moldando noutro tom uma atitude
Gerando esta emoção que o sonho clona.

A sorte muitas vezes se faz dona,
Por mais que a direção às vezes mude,
O quanto se quisera em amiúde
Desejo dentro da alma em vão ressona.

Contrariando as notas vez em quando,
O mundo noutro ritmo transformando
O que pesara ser mais evidente,

Marcando com cadência mais sofrida,
Toando em destempero nossa vida,
Ainda que outro acorde uma alma tente...





7


“era tal qual essa outra voz sentida”
Em tantas alegrias e tristezas
E mesmo quando mostre tais grandezas
Deveras muitas vezes nega a vida,

E quando a realidade se duvida
E traça com terríveis correntezas
Aonde imaginara estas belezas
A glória se destroça; mal urdida.

E o peso do viver lanhando as costas,
Por mais que ainda creia, ou mesmo gostas
A sorte se lançando nestes dados,

As cartas já marcadas ditam norte,
Sem ter de uma esperança algum aporte,
Os dias em vazio vislumbrados...


8


“da gaita do gaiteiro, dolorida,”
A sensação do medo se estampando,
As notas desde sempre lamentando
O que ainda resta de uma vida,

Esperança não vejo, já perdida,
Os sonhos abandono, ledo bando,
E o peso do viver me maltratando
Não há sequer nem rumo nem saída

Do imenso e tão terrível labirinto
Que em cores mais reais agora tinto,
Mordazes os momentos terminais.

E o que fazer da noite sem ter lua,
Minha alma no vazio continua,
Meu barco já não vê sequer um cais...


9

“Aquela voz monótona e chorona”
Ditando as notas todas da saudade
E quanto a fantasia ainda invade,
Realidade aos poucos me abandona.

Pudesse ter nas mãos o meu futuro,
Quem sabe noutros tempos, noutros dias
Diversas emoções tu me trarias
E o mundo não seria tão escuro.

Vagando por estrelas posso vê-la
Envolta em raro brilho, enlanguescente,
Minha alma a plenitude já pressente
E segue cada rastro desta estrela

E a lua prateando o meu sertão,
Acordes espalhando: coração...




10


“estes versos que eu vou dizer-te agora.”
Falando da emoção que sob a lua
Deitada em prata imensa, bela e nua,
Comanda o meu desejo e já decora

A noite em tal beleza; comemora
O coração feliz de quem flutua
E sabe que esta sorte continua
E queira Deus, Jamais possa ir embora.

Assisto embevecido tais promessas
E quando novos sonhos recomeças
Ousando com palavras e ternuras,

Eu bebo a fantasia que me exalas
Das sortes almas sendo assim vassalas,
Amada, em tanto amor, co’amor torturas.

11


“inda agora repete, a todo o instante,”
Fantástica beleza feita em luz
E quando a maravilha reproduz
Momento com certeza deslumbrante,

Vivendo esta emoção que me agigante,
Edênico caminho me conduz,
E todo o meu passado feito em cruz,
Jogado nalgum canto, vil farsante.

A lua dominando este cenário
Tocando o coração de um trovador,
E nela se transmite tanto amor,

Moldando com beleza meu fadário,
Assisto ao espetáculo divino,
E tendo-te ao meu lado, me alucino...


12

“o fel de um pranto amargo e delirante,”
Marcando com furor o meu passado,
Agora que percebo, deslumbrado
A sorte se mudando neste instante,

Enquanto houvesse a dor eu não teria
Decerto qualquer rumo em minha vida,
Há tanto se prepara a despedida,
Tocando bem mais forte esta agonia,

Mas quando conheci tão rara luz
E nela fiz meu mundo, percebi
Que todo o sentimento leva a ti,
Estrada que entre louros me conduz.

Mergulho no horizonte de nós dois,
Sabendo deste sol, belo, depois...

13


“Minh’alma, que por ti soluça e chora”
Já não comporta mais tal sofrimento
E quando em dores fartas me atormento,
Meu sonho noutro porto, em paz, se ancora.

Vivesse pelo menos a alegria
De ter quem tanto quero junto a mim,
Tristeza que deveras não tem fim,
O mundo novo tom já me traria,

E tendo esta argentina maravilha
Deitando em raios claros tal beleza,
Minha alma se embebendo diz certeza
E também refletindo, logo brilha.

Assisto assim à força da esperança
Que em céu enluarado, agora avança...

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