sexta-feira, 26 de março de 2010

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27544
“Em parecer aos outros venturosa”
A vida de quem tenta em vão disfarce
Negar a própria sorte que inda esgarce
O sonho a destroçar jardim e rosa,
Por vezes imagino qual seria
O gosto de um prazer alheio a mim
O tempo de viver chegando ao fim,
Há tanto já inútil, fantasia,
Se um dia houve castelos, sobre a areia
A vida em mansidão, a alma cobiça
Porém a base sendo movediça
Somente o fim da peça me rodeia,
E tento parecer bem mais feliz
Do que esta realidade contradiz.

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“Cuja ventura única consiste”
Num sonho traiçoeiro e nada mais,
Vivendo sob imensos temporais
Realidade eu sei, deveras triste,
Pudesse caminhar em flórea senda
Teria pelo menos a ilusão,
Porém ao invernar cada estação
Somente a gelidez já se desvenda
Vencido pelo quanto quis e fora
Vazio o dia a dia de quem tenta,
Ainda que minha alma siga atenta
E mesmo- eu te confesso – sonhadora
O fim se aproximando tão vazio,
A ausência da esperança desafio...

27546

“Quanta gente que ri, talvez existe,”
Que tenha a mesma sorte ingrata e vã,
Sem ter nos olhos brilho da manhã
Seguindo um Norte, amargo e triste
Tentando disfarçar com um sorriso
O quanto nada tem e nem terá,
Ainda que se mostre um marajá,
Num mundo nababesco, um Paraíso,
No fundo se percebe a dura face
Da imensa insensatez em vago olhar,
E quanto mais procura disfarçar
O tempo noutro rumo ainda passe
Mostrando a realidade nua e crua,
Enquanto em palco torpe e tosco atua.

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“Como invisível chaga cancerosa”
Espero esta emoção que nunca veio,
O mundo se transforma e neste anseio,
A sorte se mostrando caprichosa,
Vivendo por viver sem nada mais
Do que tola ilusão; prossigo assim,
Sonego mesmo o rumo de onde vim,
E teimo em falsas luzes magistrais,
Condeno-me aos espectros do vazio
E gero deste nada, a minha vida,
Que há tempos percebera já perdida,
Enquanto o mesmo vão; teimo e desfio
Usando cada verso qual pincel,
Mostrando o gris eterno deste céu

27548


“Guarda um atroz, recôndito inimigo,”
Sombria face escusa do meu sonho,
E quando a falsa imagem recomponho,
Miragem sem sentido, enfim persigo.
Pudesse ter no olhar a redenção
E o brilho que se ausenta a cada instante,
Um mundo com certeza deslumbrante,
Porém o que fazer? Mera visão...
Desvendo este fantasma dentro em mim
E sei o quanto sou já consumido,
Quisera ter a luz e nela olvido
Esta aridez terrível no jardim,
Mas nada mais consigo e sigo só,
Minha alma se alimenta deste pó.


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“Quanta gente que ri, talvez consigo”
No espelho vê a face de um bufão,
A sorte se transforma em negação
E aonde conseguir algum abrigo?
O mundo traça em linhas tão diversas
Caminhos para os quais não se prepara
Gerando dentro da alma, a chaga e a escara
Distante do que dizem nas conversas
E tentam demonstrar felicidade
Aonde nunca havendo algum momento
De paz e de alegria. E o sofrimento
Somente a cada noite, mais invade.
O riso se transforma em ironia,
Mortalha de um fantasma ora se cria.


27550


“Nos causa - então piedade nos causasse-
Temor por sua face majestosa,
Mas quando se percebe mera glosa,
A vida traduzindo novo impasse,
E o quanto se mostrara em falso guizo
Diverso do que tenta e até consegue,
A sorte não traduz ali albergue
Distante dos clarões que ora matizo.
Ao desnudar-se assim tal criatura
Percebo quão vazio sob um terno
Aonde primavera diz inverno,
Uma alma tenebrosa, parca e escura
E piedade; tenho nos meus olhos
Ao ver neste canteiro, vãos abrolhos.

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