terça-feira, 13 de abril de 2010

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29641



“Desde a infância a mortal melancolia”
Gerando dentro em mim tal tempestade
E quando a solidão ainda invade
Matando o que restara de alegria,
A sorte se mostrando assim vazia
Enquanto houvesse sonho, na verdade
O mundo ainda em viva claridade,
Mas como se tal fato exigiria
Amor e deste amor já nem percebo
Sabendo quão inútil um placebo
Que possa tão somente dirimir
A dor que se entranhando me domina,
Desventurada sina da menina
Que um dia imaginara este porvir.


29642


“Cresceu a par comigo a mágoa impia;”
E dela nada trago senão isso:
O mundo que sonhara já sem viço
O corte se aprofunda em agonia,
Medonha face eu vejo neste espelho
Grisalhos entre rugas tão somente,
O fim a cada dia se pressente
E quanto ainda tento e me aconselho
Responde-me a verdade nesta face
Exposta em torpe imagem retratada
Assim ao não saber de uma alvorada
A cada novo dia, a dor se trace
Mudando o que me resta por viver,
Matando o que sonhara amanhecer.


29643


“De ver o céu e o sol sendo privada,”
Não tendo mais quaisquer belezas, faço
Do mundo tão somente este cansaço
E dele resultando o mesmo nada,
Andejo coração não mais responde
E tento disfarça n’algum sorriso,
O quanto se acumula em prejuízo
A sorte se escondendo e não sei onde,
Vasculho cada canto de minha alma
Sobejas dores trazem desencanto,
E quando ainda tento já me espanto
Somente o saber fim agora acalma,
E teço esta mortalha com carinho,
É nela que deveras eu me aninho...


29644



“Me tornou para sempre desgraçada”
A vida em luzes fartas que eu sonhara,
E agora se mostrando assim amara
Seara do passado destroçada,
Não posso imaginar outro momento
Apenas podridão em vil carcaça
E assim enquanto o tempo foge, passa
A cada ausência vejo o sofrimento
Legado que carrego dentro em mim,
De tempos onde tanto pude crer
Ainda em algum risco de prazer
E a seca dominando este jardim,
E numa sensação venal e agreste
O quanto de carinho tu me deste.


29645



“Quando um terrível mal, que então sofria,”
Tomando a dura face da verdade
Porquanto ainda lute ou mesmo brade
Não vejo mais resquício de algum dia
Medonha face vejo então no quarto
Deitada em minha cama vejo a morte
E dela qual sorriso que conforte,
Hipnotizadamente eu não me aparto,
Vivenciando a glória do final
Que tanto procurei a vida inteira
A sorte na benesse derradeira
E o rito se mostrando sempre igual,
Veneno, cada gota me consola,
A morte mansamente tudo assola...



29646


“Inteira o rosto seu mostrado havia,”
Enquanto delicia-se a quimera
Tocaia traduzindo a dura fera
E nela toda a forma de alegria,
Nefanda? Não, somente salvadora,
A caricata imagem que hoje sou,
O quanto do cadáver, pois restou,
Diverso do que tanto quis ou fora,
Assim ao me mostrar toda desnuda
Entranha-me a loucura a cada verso,
E neste nada ser o peito imerso
A morte a cada passo mais ajuda,
Assim ao me sentir envelhecida
Aos poucos abandono a minha vida.


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“Vinte vezes a lua prateada”
Deitando cada raio sobre o leito
Aonde sem defesas eu me deito
Sabendo não verei outra alvorada,
Risonha face mostra a lua imensa
E dela se bebendo cada gota,
A minha força aos poucos já se esgota
A morte, com certeza a recompensa
Mordaz de quem se fez tão sonhadora
Poeta não consigo novo encanto,
E quanto mais profundo o desencanto
Minha alma revivendo o que já fora,
E assim ao mergulhar neste jazigo
Encontro, finalmente, paz e abrigo!

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