quinta-feira, 15 de abril de 2010

HOMENAGEM A MANUEL ODORICO MENDES

Mas da puerícia o gênio prazenteiro
Já transpôs a montanha, e com seus risos
Recentes gerações vai bafejando:
Aquém ficou a angústia que moderas
Ó compassiva tarde! Olha-te o escravo,
Sopeia em si os agros pesadumes;
Ao som dos ferros o instrumento rude
Tange, bem como em África adorada,
Quando, tão livre! o filho do deserto
Lá te aguardava; e o eco da floresta,
Da ave o gorjeio, o trépido regato,
Zunindo o vento, murmurando as sombras,
Tudo em cadência harmônica lhe rouba
A alma em mágico sonho embevecida.
(Hino à Tarde)

MANUEL ODORICO MENDES


1

“A alma em mágico sonho embevecida”
Vasculha cada canto do que fora
Apenas uma imagem tentadora
E agora vai tomando a minha vida
Audácia traduzindo uma saída
Diverso do que tanto em sofredora
Face já se mostrara redentora
E sei que há tanto tempo está perdida,
Assisto ao meu momento terminal
Enfrento os temporais e deles vejo
Além do que pensara o meu desejo
Momento em que na ausência de degrau
Escalo meus anseios, sinto abismo
E em tais beirais atrozes, inda cismo...


2

“Tudo em cadência harmônica lhe rouba”
Meu sonho em luzes feitas, hoje morto
O tempo sonegando qualquer porto,
Qual fosse algum leão sem garra e juba
Assim ao caminhar em noite escusa
A morte se aproxima do poeta
E a vida aonde fosse mais dileta
Dos erros, dos enganos vis, abusa.
E sendo um andarilho sem destino
Amortalhada senda é o que inda resta
Uma alma em tenebrosa voz funesta
A cada novo engodo, desatino,
E sinto a sorte em voz já procelária
Encontro na esperança uma adversária.

3

“Zunindo o vento, murmurando as sombras,”
Enquanto não relutas e maltratas
Searas dos meus sonhos tão ingratas
Mergulham no vazio em que me assombras,
E tanto poderia ser feliz
Na ausência do terror que agora rege
O mundo sem destino; eu perco a sege
E a própria realidade contradiz
O sonho mais audaz, há tanto tempo
Imerso no vazio que legaste
Uma esperança atua e em tal contraste
Perece a cada novo contratempo,
Espúria fantasia, ledo engano,
O mundo se desvia noutro plano...


4


“Da ave o gorjeio, o trépido regato,”
Assistem ao meu fim e nada sei
Do quanto poderia noutra grei
Se em mera fantasia eu me retrato,
Vencer os dissabores? Ledo fato
Vagando pelo quanto mergulhei
Não posso caminhar se decifrei
O medo pelo qual um mundo ingrato
Expressa este vazio pelo qual
O quanto se podia em magistral
Momento nada esboça e dita o fim,
Encontro esta brumosa tarde aonde
Uma esperança tola já se esconde
E seco, vejo sempre o meu jardim...

5


“Lá te aguardava; e o eco da floresta,”
Ressoa dentro em nós, meros poetas
E quando a fantasia tu deletas
Apenas a verdade atroz me resta,
E assim ao me saber sem eira ou beira
Disperso cada passo rumo ao nada,
E tanto poderia quanto agrada
Sonhar com nova senda que se queira
Ausente dos meus dias tal momento
E nele sendo audaz, ainda quero
Fazendo deste sonho o mais sincero
Saber aonde existe algum alento,
Sofrido caminheiro do passado,
Apenas a mortalha é meu legado...


6


“Quando, tão livre! o filho do deserto”
Seguindo por savanas, ritos vários
E nelas passos loucos, temerários
Deixando a solidão sempre por perto
O quanto poderia ter aberto
Caminhos que bem sei são necessários
E os dias não seriam tais falsários
Nem mesmo contra a fúria assim me alerto,
E tanto quis diversa mansidão
Sabendo das mortalhas que virão
Na caça sendo a presa, de um amor,
O mundo se mostrando em tom sombrio
Por vezes meu destino desafio,
Mas sinto como herança tal terror.

7


“Ao som dos ferros o instrumento rude”
Brandindo em tempestades mais cruéis
E delas se percebem carrosséis
Deixando no passado a juventude
E quantas vezes luto e mesmo pude
Sentir este amargor da vida em féis
E nele em tantos brados, decibéis
Fazendo com que o passo enfim se mude,
Nesta atitude vejo a derrocada
Do quanto quis em mim outra fornada
De sonhos em momentos mais gentis
Apenas o vazio se recria
Aonde poderia a fantasia
E o mundo novamente, não mais quis...


8


“Sopeia em si os agros pesadumes;”
Negando alguma luz nesta seara
A vida com terrores se escancara
Deixando para trás cores, perfumes,
E quanto mesmo à dor já te acostumes
A sorte destilando a mais amara
Vontade de beber que se prepara
Em tons diversos, tétricos costumes,
Assisto à derrocada do meu sonho
Num ar que sei deveras tão medonho
E a morte bate assim em minha porta
O quanto poderia ter de paz
A cada amanhecer, bem mais mordaz
Vislumbra uma esperança; há tanto morta...


9


“Ó compassiva tarde! Olha-te o escravo,”
Que tenta vislumbrar ainda a lua
Aonde em tom grisalho continua
Num céu tempestuoso, atroz e bravo,
Do quanto poderia e assim já travo
O passo que deveras não flutua
A sorte se mostrando nua e crua
O peso do viver ditando o agravo.
O pendular momento diz do não
Aonde se queria afirmação
A vida em solilóquio se fazendo
E dela nada herdando senão isto
Aonde se pudesse, já desisto,
A morte é o que me resta em dividendo...


10


“Aquém ficou a angústia que moderas”
Dos passos onde pude imaginar
Ainda houvesse a força de um solar
Momento se expressando em primaveras
E quando se vislumbram as quimeras
Cansado muitas vezes de lutar
Teimoso quando vou desafiar
As hordas dos tormentos que me deras,
Assim ao me entregar nada levando
Senão este agasalho mais nefando
Traçado como fosse uma mortalha
A senda que pensara fosse minha
Agora que da morte se avizinha
Ainda insanamente, enfim, batalha...

11


“Recentes gerações vai bafejando”
Aonde a fera imensa produzira
O peso do passado se prefira
Ao quanto se mostrasse bem mais brando
Momento aonde vejo se aprumando
A morte a cada tiro mais retira
A vida se perdendo em torpe mira
E dela nada sei se transformando,
Amar e ser feliz, uma ilusão
E quantas vezes luto contra o não
Do qual não escapara um só segundo,
Seguindo os falsos passos de quem tenta
Vencer com mansidão esta tormenta
Nas ânsias desta dor eu me aprofundo.

12


“Já transpôs a montanha, e com seus risos”
A senda descoberta em luz suave
Porquanto ainda mesmo o sonho agrave
Expõe ao sonhador os paraísos,
E tendo acumulado prejuízos
O quanto se percebe em dura trave
E nela a vida em dor ditando a nave
Mergulha nesta insânia mata os sisos,
Arranco dos meus olhos o passado,
Mas quando vejo o fim determinado
Desde o momento atroz em que te vi,
Assisto à derrocada deste empenho
Ainda em ilusões terríveis venho
Sabendo desde sempre o que perdi...


13


“Mas da puerícia o gênio prazenteiro”
Legando ao nada apenas o que sou,
Vazio dos meus sonhos me ditou
E dele a cada passo não me esgueiro
Vivesse a mansidão deste canteiro
Aonde uma esperança em vão gerou
Outra esperança atroz e mergulhou
Negando o que cevara um jardineiro,
Risonhos dias, noites mais felizes?
Se a cada amanhecer me contradizes
A tarde não seria diferente,
Assim ao me entregar sem mais batalhas
Encontro as mesmas facas e navalha
E delas esta dor que não se ausente...

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