domingo, 11 de abril de 2010

HOMENAGEM A GARCILASO DE LA VEGA

BELAS NINFAS, QUE, NA ÁGUA SUBMERGIDAS

Tradução de Anderson Braga Horta

Belas ninfas, que, na água submergidas,
contentes habitais vossas moradas
de reluzentes pedras fabricadas
e em colunatas de cristal sustidas,

quer estejais lavrando embevecidas
ou tecendo essas telas delicadas,
quer algumas com outras apartadas
os amores contando-vos e as vidas:

deixai um pouco esse labor, alçando
vossas louras cabeças por fitar-me;
pouco vos detereis, do modo que ando:

não podereis de lástima escutar-me,
ou, convertido em água aqui chorando,
aí podereis com tempo consolar-me.

GARCILASO DE LA VEGA






1


“aí podereis com tempo consolar-me”
Depois destas desditas do passado
Aonde o tempo amargo vislumbrando
Não pode sequer ter qualquer alarme
E quando a realidade se aproxima
Domando cada passo rumo ao nada
Percebo todo dia a velha estrada
E dela se percebe o novo clima,
Mesquinhas trevas ditam o que fora
Decerto é tão difícil caminhar
E tendo mais distante algum lugar
Uma alma tantas vezes sonhadora
Não sabe se consegue novo brilho,
E insano sem destino, ainda trilho.


2


“ou, convertido em água aqui chorando,”
Já não comportaria algum momento
Quem tanto se mostrando em desalento
Não sabe de outro rumo e vai nefando
Ganhando a cada dia outra senzala
E dela se porfia este vazio,
Ainda que deveras saiba o rio
Sem foz, a minha vida então se cala,
Não posso ter a voz que tanto quis
Nem mesmo acreditar em nova história
Se o quanto demonstrando falsa glória
De quem se fez do todo, um aprendiz,
E quando me percebo solitário
Amor, um caricato imaginário...

3

“não podereis de lástima escutar-me,”
Já que tantas vezes dita a minha sorte
Apenas o vazio, e se conforte
A vida preparando este desarme
E nele poderia ser feliz
Traçando com ventura um novo dia,
E quando se percebe a fantasia
Diversa do que tanto mais eu quis
Não posso condenar-me à solidão
Nem devo disfarçar meu passo rumo
Ao quanto a cada verso mais me esfumo
Traçando tão somente a indecisão
Vestindo esta quimera em dores grises,
Apenas coletando os meus deslizes.


4


“pouco vos detereis, do modo que ando:”
Já que tanto libertais o pensamento
E quando mais aquém eu me atormento
Querendo pelo menos bem mais brando
O quanto vós seria muito mais
Do que tanto pudesse o sonhador,
Na lira um tão inútil trovador
Encontra o que deveras derramais
E neste encanto raro que porfio,
Embrenho-me nas ânsias do futuro
E quando mesmo só eu me asseguro
Deixando para trás o quão vazio
Medonho caminhar em noite escusa
A sorte desde então numa alma inclusa.


5

“vossas louras cabeças por fitar-me;”
Ourives da esperança a senda invado
E deixo para trás qualquer enfado,
A vida se transforma e pude dar-me
A luz que tantas vezes procurava
Por tantas ilusões, diverso rumo,
Errôneo caminheiro, pois assumo
A sorte mesmo quando é tola e escrava
Residualmente tenho ainda em mim
Fulgores de momentos que distantes
Ainda poderiam radiantes,
Mas aridez sonega algum jardim,
E sinto-me deveras neste insólito
Caminho como fosse um vão monólito.



6


“deixai um pouco esse labor, alçando”
Momentos onde tanto poderia
Singrar com mais cuidado e galhardia
Um mundo mais suave ou mesmo brando
Alvissareira sorte se transforma
E doma o caminheiro sem destino,
E quando em vossos braços me fascino
O mundo em delicada e mansa forma,
Expõe a realidade que se trama
Navego por tão belos oceanos
E deixo no passado os desenganos
Mantendo do que fomos, mera chama,
E sendo-vos deveras mais fiel,
Em vós encontro o rumo para o céu.

7

“os amores contando-vos e as vidas:”
Somando a cada dia eternamente
Permitem que se creia ou se demente
As ânsias tantas vezes esquecidas
Nas tramas mais sutis de um caminheiro
O mundo em vossos olhos traduzido,
Assim a vida doma algum sentido
E nela, com ternuras eu me inteiro,
Vencendo os dissabores mais vulgares
Vencendo os meus momentos mais ferozes
Ouvindo do passado mansas vozes
Estrelas maviosas, constelares.
Assim eu me permito acreditar
Ainda nesta noite de luar...


8

“quer algumas com outras apartadas”
As vontades maiores que inda trago
Vencido a cada passo, busco afago
Vagando sem destino por estradas
Diversas do que tanto poderia
Saber quem se entregou além do todo,
E mesmo que se vê ao fim o lodo
A vida ainda rege em harmonia,
Não creio nas estranhas tempestades
Tampouco temo tantos vendavais
Singrando mares busco sempre o cais
Por mais que ainda teimes e degrades
Os olhos no horizonte, o peito aberto,
O rumo do vazio ora deserto...


9


“ou tecendo essas telas delicadas,”
Permito-me vagar por tais anseios
E vejo mais distantes os receios
E deles se percebem as escadas
Que possam me levar ao mais superno
Momento em que se vê tanta beleza
Seguindo com ternura a correnteza
O quanto do prazer assim interno
Não tento mais negar o que se vê
Exposto a cada dia e sempre mais,
Não temo nem sequer os vendavais
A vida passa a ter em vós, por que.
Assim não poderia ter tormento
Quem tanto em vosso braço, eu me apascento.

10


“quer estejais lavrando embevecidas”
Searas onde a sorte se porfia
E quanto se permite a fantasia
Gerindo com ternura nossas vidas
Não deixo percebido outro momento
E quando me entregando a cada instante
Percebo um novo mundo deslumbrante
E nele tantas vezes eu me alento,
Seguisse cada passo rumo ao tanto
E tendo-vos senhora dos meus sonhos
Os dias com certeza mais risonhos
Gerados pela luz de um raro encanto
Ausente dos meus olhos a quimera,
O amor que pelo amor, amores gera.


11


“e em colunatas de cristal sustidas,”
As bases de um momento mais feliz
E quando novamente a sorte diz
Do quanto poderiam nossas vidas,
Existem nos meus olhos inda vivos
Os dias que vivemos no passado,
O quanto deste amor tomando o prado,
Tornando nossos sonhos mais cativos
E tanto quanto posso desvendar
Em vossos passos dias cristalinos,
Os cantos e as ternuras, os destinos
Rondando a cada noite outro luar,
O passo rumo ao éter permitindo
Um tempo mais suave; amor infindo.

12


“de reluzentes pedras fabricadas”
Lapidam-se os desejos mais audazes
E quando amor se traz em novas fases
Vontades entre brilhos desvendadas,
Assiduamente busco algum momento
Aonde eu possa crer noutra delícia
E tendo a cada sonho outra notícia
Do amor no qual decerto me apascento,
Assisto assim à farta e rara messe
Enquanto em tais benesses eu porfio,
O amor que se fizera um desafio
Agora a cada dia mais se tece,
E esqueço as desventuras mais cruéis,
Dois corpos nestes mesmos carretéis.


13


“contentes habitais vossas moradas”
As ânsias mais audazes e ferozes,
Do amor ao escutar sublimes vozes
Percebem-se complexas alvoradas
No albor expresso o encanto que fascina
E determina o passo de quem tanto
Vivendo com ternura e sem quebranto
Descobre da emoção a farta mina,
Imensamente belo este porvir
Que em vós eu descobri, cara senhora
O quanto em tanta luz se revigora
Amor que noutro amor vi refletir
Especular beleza insuperável,
Num tempo mais que tudo, desejável.


14



“Belas ninfas, que, na água submergidas,”
Traduzem a beleza que em vós tenho,
O amor que tanto traça raro empenho
Nas ânsias procuradas, pois ungidas
Descrevo com meus versos o que eu sinto,
Risonho caminhar em noite clara,
Inesgotável sorte se declara
Deixando o sofrimento quase extinto
E sendo-vos deveras mais amigo
O quanto em vós encontro nada trama
Senão a fantasia que ora clama
E dela só por ela eu já persigo
Benesse de um encanto sem final,
No amor que é nosso fim e ritual.

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