quinta-feira, 15 de abril de 2010

HOMENAGEM A VIRGÍLIO

1

“Pois tantas iras em celestes peitos”
Trazendo em fulgurantes formas várias
Além das mais diversas procelárias
Transcendem ao que fossem mansos pleitos
Assim ao se mostrar em ares tantos
Amores embrenhando meus caminhos
E se eles desventura quis sozinhos
Tomando a minha face dores, prantos
Mesquinhos caminhares, dias vãos
E assim ao renegarem sonhos, grãos
A ceva transcorrendo em aridez
Do quanto poderia ser tranqüilo
O medo que odiento, pois destilo,
Reflete o que deveras se desfez.

2

“A lances tais passar, volver tais casos.”
E quanto mais pudesse acreditar
Na fúria desvairada deste mar
As sortes se moldando em tais ocasos
Os dias em tormenta, dor intensa
E quando poderia crer suave
A cada turbilhão que tanto agrave
Não tendo quem decerto me convença
Melífera expressão de poesia
Há tanto se perdendo em luz diversa
Caminho pelo qual o sonho versa
E dele tão somente a sombra guia
Levando ao nada além do quanto pude
Seguindo por estrada néscia e rude.


3


“Compeliu na piedade o herói famoso”
Sabendo desde quando poderia
Vencer a tempestade mais sombria
E crer noutro momento majestoso,
Assim a vida traça em rumos vários
Discórdias entre fúrias e terrores
E quando se mostrassem sonhadores
Os dias não veriam os adversários
E sem saber decerto rumo ou meta
Pudesse caminheiro sem destino,
Vagando enquanto alheio me fascino,
Vivendo as fantasias de um poeta
E assim ao me sentir bem mais liberto
As ânsias do não ser risco e deserto.

4

“Ou por que mágoa a soberana déia”
Que tanto poderia me trazer
Qual sílfide um momento de prazer,
Mas quando se percebe em panacéia
Amor não traduzindo a realidade
Aonde em refrigério poderia
E nada do que tanto eu quis um dia
Expressa este terror, a fúria invade
E toma cada passo de quem fora
Somente um andarilho imerso em não
Errático cometa, a direção
Tomada pela sorte tentadora
De quem se fez além do pudera
E entrega-se ao furor da deusa, fera.

5

“Musa, as causas me aponta, o ofenso nume,”
Sangrantes noites turvas, dias ledos
E quando se percebem seus segredos
Diverso do que ainda tente e rume
O quanto poderia ser mais claro
O dia feito em brumas, nada diz
Gestando a cada não a cicatriz
Espúrio caminhar que assim declaro
E nele as ânsias ditam o vazio
Portanto ser feliz, tola quimera
E quando novo gozo já se espera
Descrente do futuro eu desafio
A imensidade feita em trevas tantas,
E tu ao me sentires vil, quebrantas.

6

“E o lembrado rancor da seva Juno;”
Que tantas vezes dita guerra em ódio
Procura pelos louros, gládio e pódio
E quando me percebe, não me puno
Cansado de lutar inutilmente
Porquanto a própria vida dita a sorte
Sem ter a dimensão mesmo do corto
Ainda esta mortalha se apresente
Vencido muitas vezes, sonhador
Perpetuando a dor do não ser mais,
Buscando novos dias magistrais
E neles cada verso a se propor
Pudesse transcorrer em plena paz
Aquilo que eu bem sei, hoje, mordaz.

7

“Muito o agitou violenta mão suprema,”
Guerreiro contra as tantas injustiças
Enfrento o dia a dia; torpes liças
E nelas a vontade não se extrema
Mudando a direção do quanto pude
Saber tanto diverso o caminhar
Singrando em tempestade o imenso mar
Perdendo no não ser, a juventude
Quisera a florescência que não vejo
Quisera outro tanto em paz e luz,
Mas quando à realidade enfim me opus
O quanto poderia em tom sobejo
Apenas ao relento me condena
E a vida nunca mais seria amena...


8


“Trouxe-o primeiro o fado. Em mar e em terra”
O medo de seguir contra a torrente
E nela todo o não atroz se sente
Enquanto uma esperança já se encerra
Mundana sorte dita este caminho
Ausência de ternura, morte em vida
E quanto se percebe sem saída
O quanto poderia mais sozinho,
Vencido pela angústia nada tendo
Ao menos poderia crer no fato
Diverso deste quando eu me retrato
Ocaso de um viver que se perdendo
Não gera outra semente e chega ao fim
Deixando desolado este jardim...


9


“A avidez do colono, empresa grata”
Cevando com ternura em mansidão
Mantendo esperançosa plantação
Assim em tal desejo se arrebata
O sonho mais audaz que poderia
Gerindo cada passo rumo ao tanto
Aonde se tentasse novo manto
Tecido pelas mãos da fantasia,
A vida não permite que se creia
Nas variantes todas de um amor,
Podendo ser quem sabe o agricultor
Que tanto produzira mesmo à meia
E assim ao se fazer em nova senda
Desejo de quem sonha já se atenda...


10

“Fiz que as vizinhas lavras contentassem”
Com toda esta certeza que se trama
Aonde se pensara em charco e lama
Momentos mais felizes se cevassem,
Assolam-me vontades mais audazes
E delas a colheita é garantida
Ao renascer em mim o bom da vida
No quanto ainda em luzes tu me trazes,
Descreve-se noctâmbulo caminho
Aonde por dever eu me alinhava,
A vida não se vê nem serva, escrava
Se em teus dias melhores já me alinho,
Assim não se derrota quem porfia
Usando como esgrima a poesia.


11


“Rudes canções, e egresso das florestas,”
Vagando pelas ânsias do que posso,
O amor que tantas vezes cri ser nosso
Agora em novos rumos, tu já gestas
Vencido pela angústia nada sinto
Somente esta vontade de esquecer
Aonde poderia amanhecer
O sol há tantos anos quase extinto
Neblinas decorando este horizonte
Grisalho este caminho em que me perco,
As sortes mais atrozes fecham cerco
Sem ter qualquer saída, não se aponte
Sequer a direção do pensamento
E assim me vendo só, eu me atormento.


12


“Eu, que entoava na delgada avena”
Enriquecendo o passo com o sonho,
Enquanto aos meus caminhos me proponho
A vida em derrocada já se acena,
Não posso suportar tamanho engodo
E vejo o meu retrato em luzes grises
Ao perceber na vida tais deslizes
Enfrento agora ao fim, imenso lodo
E podo-me dos sonhos mais falazes,
Mergulho nesta insânia que me deste,
Aonde se fez belo, agora agreste
Traçando este viver que enfim me trazes,
Morrendo qual se fosse um esfaimado
Cordeiro exposto às fúrias deste prado.



SOBRE VERSOS DE VIRGÍLIO
ENEIDA
TRADUÇÃO DE MANUEL ODORICO MENDES

Nenhum comentário: