terça-feira, 13 de abril de 2010

HOMENAGEM A BENEDITO LUIS RODRIGUES DE ABREU

POEMA

Ouro branco, esperança da alma aflita
do caipira, ouro feito de algodão,
ouro de neve branca, de bendita
neve toda a alma verde do sertão.

Fuljo — branco de neve nas alturas
dos sonhos dos cansados lavradores,
que me tornam, as tristes criaturas,
mais alvos pelas gotas de seus suores.

Vêem-me, sonhando, em longas fibras de ouro,
depois em moeda, e assim sonhando vão...
Dormem pensando em mim: Sou o tesouro,
o ouro branco das terras do sertão.

BENEDITO LUIS RODRIGUES DE ABREU



1

“o ouro branco das terras do sertão”
Reluz em céu imenso, noite afora
E quando esta beleza nos decora
Momentos mais bonitos mostrarão
A rara messe feita em raios tantos
E deles se espalhando sem limites
Ao ver tal maravilha já permites
Beber sobeja luz em tais encantos
Aonde não se pode duvidar
Do quando Deus foi sempre generoso,
E vendo este espetáculo formoso
O mundo se entregando a tal luar
Não deixa qualquer margem de tormenta
E até a fria fera se apascenta.


2


“Dormem pensando em mim: Sou o tesouro,”
Que tantos procuraram pela vida,
E nessa bela senda, aqui perdida
Sobeja natureza, ancoradouro,
E tendo tantas luzes nesta noite
Deitando sobre toda a relva sinto
O quanto poderia estar extinto
Gerando a maravilha no pernoite
E quanto mais audaz o caminheiro
Maior a rara prata que se dá,
Assim ao mergulhar aqui ou lá
O mundo se mostrando por inteiro
Permite ao sonhador, tolo poeta
A vida noutra vida mais completa.


3


“depois em moeda, e assim sonhando vão”
O mundo se mostrasse mais perfeito
E vendo tanta luz já me deleito
Vivendo a claridade de um verão
E nele me espraiando com ternura
Deixando cada rastro iridescente
Um novo mundo em paz já se pressente
Enquanto a claridade assim perdura.
Traçando com diversa maravilha
Noctívago cantor em serenatas,
Descendo tanto brilho sobre as matas
A sorte nesta senda rara trilha
E vive este momento esplendoroso
Sabendo quão divino e majestoso.


4


“Vêem-me, sonhando, em longas fibras de ouro,”
Os dias em que passo nesta senda
E nela esta fartura que me atenda
Sabendo dos meus sonhos, nascedouro
Vestindo esta beleza sem igual
E dela me refaço em versos tantos
Decifro desta noite seus encantos
E sigo cada passo em ritual
Dos rastros prateados no caminho
Argêntea luz invade o verdejar
E quando sobre o rio num mergulho
Tornando bem mais claro o pedregulho
Permite que se possa navegar
Nas ânsias de um desejo muito além
Do quanto a própria vida em si contém.


5


“mais alvos pelas gotas de seus suores’
O sol entorna em raios fulgurantes
O quanto se mostrara por instantes
Momentos soberanos e maiores,
Não pude desvendar outro caminho
Nem mesmo poderia desde quando
O mundo neste sol foi se tomando
E deste amanhecer eu me avizinho
Bebendo cada gota deste sol
Reinando sobre toda a natureza
Aonde se desvenda a correnteza
Tocada pelo brilho, no arrebol
Eu singro por caminhos mais diversos
Usando como barco, simples versos.


6


“que me tornam, as tristes criaturas,”
Um sonhador a mais, mero poeta
Que quando vê beleza predileta
Esquece por momento as amarguras,
E sabe discernir a rara sorte
Na qual imerge em sonhos maviosos,
Assim ao se mostrarem generosos
Os rumos deste tanto que conforte
Permite o que se vê além do mar
Permite o que se sonha além da vida,
A sorte noutra tanta resolvida
Vibrando com certeza em bem amar
Esboça esta divina tela rara
Enquanto o sol sobejo tudo aclara.


7


“dos sonhos dos cansados lavradores,”
Justiça social, sol para todos
E quando se percebe a vida em lodos
Somente desfrutando desamores
E deles se porfia uma esperança
Diversa da que sempre se apresenta
A vida não sonega esta tormenta
Enquanto no vazio já se lança
A lança penetrando em minha pele
Rasgando cada parte deste sonho
Figura de um passado tão medonho
Na sorte desairosa se repele
E tudo o que vivi não poderia
Senão trazer ao fim mera agonia...


8


“Fuljo — branco de neve nas alturas”
Rolando sobre montes, cordilheiras
E tanto quanto vês ainda queiras
Belezas em suaves formosuras
Ascendo ao quanto pude e nada tenho
Mergulho neste vão que dita a vida,
E quando a sorte vejo enfim perdida
Fechando com rancor, a face e o cenho,
Vestindo esta ilusão nada restara
Nem mesmo a lua plena sertaneja
Além do que decerto já se almeja
A Diva reina inteira, plena e clara,
Mas tanto poderia e nada diz,
Do amor felicidade? Em mim é gris...

9


“neve toda a alma verde do sertão”
Tomada pela essência divinal
Da lua em seu sublime ritual
Traçando com ternura esta visão,
E tanto poderia ser assim
A vida de quem luta o tempo inteiro
A sorte se emoldura no canteiro,
Mas a aridez destrói qualquer jardim,
Nefasta realidade em bala e espreita
O corte se aprofunda e já profana
Uma alma que pudesse soberana
Agora no vazio se deleita?
Não pude desvendar esta incerteza
E o mundo se perdendo em correnteza.


10


“ouro de neve branca, de bendita”
Extrema maravilha em noite imensa
E quanto mais na lua já se pensa
A sorte novo rumo nunca dita,
E quando mergulhar neste abandono
Devastação tomando esta seara
O peso do viver já se declara
E o corte do meu sonho, tira o sono,
Escravo novamente do que tanto
Pudesse imaginar bem diferente
Sem ter sequer o encanto que apascente
O mundo se cobrindo em turvo manto,
Brumosa noite mata a lua cheia
A fúria do não ser já me incendeia.


11


“do caipira, ouro feito de algodão,”
Jorrando nesta noite caprichosa
Uma alma regozija, sonha e goza
Tomando com firmeza este timão,
Mas nada do que fora mais sublime
Ainda permanece no horizonte
Porquanto a lua bela já desponte
A velha sensação de dor e crime,
Mortalha da injustiça toma tudo
E tendo esta certeza não reluto,
O quanto poderia ser sem luto
Eu sei de tal alvura e não me iludo,
Retalham-se momentos do passado
E o quanto do futuro desolado...


12


“Ouro branco, esperança da alma aflita”
Não pude discernir tanta beleza
Se toda a sorte morre, fosse presa
Da vida que deveras tanto grita
E molda novo tempo mesmo aonde
O mundo não se mostre diferente
O quanto do calor já se freqüente
Enquanto a treva chega e tudo esconde,
Mergulho sem sentido no que fora
Somente algum resquício de uma vida,
E agora se percebe tão sofrida
Aonde poderia sonhadora,
Da lua esta mortalha em lutos feita
Enquanto a poesia ao léu se deita...

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