Assentada
Carlos Nejar
Chega a esta casa
sem prazo ou contrato.
Faze de pousada
as salas e quartos.
Os nossos arreios
ninguém os desata
com ódio e receios.
O tempo não sobe
nas suas paredes;
secou como um frio
nos beirais da sede;
calou-se nos mapas,
na plácida aurora,
nos pensos retratos.
Entra nesta casa
que é tua e de todos,
há muito deixada
aberta aos assombros.
Entra nesta casa
tão vasta que é o mundo,
pequena aos enganos,
perdida, encontrada.
Os dias, os anos
são palmos de nada.
1
“São palmos de nada”
O que resta do todo
Deveras do lodo
Sorte desgrenhada
O risco do quanto
No tanto que não
Perder direção
Coleto o quebranto
E tudo traduz
O vago em que outrora
Sem dia nem hora
Saudade diz cruz
E leva pra além
O que não contém.
2
“ Os dias, os anos”
Os meses e a vida
Há tanto perdida
Fartos desenganos
O medo coleta
O quanto cabia
Não tendo alegria
Não posso poeta
Nem mesmo pudesse
Nem quando pensasse
Mostrando outra face
Porquanto comece
O mesmo caminho,
No qual não me alinho.
3
“perdida, encontrada”
A sorte que um dia
Pudesse agonia
E agora diz nada
Redime os engodos
E traça o futuro
Aonde procuro
Escudos e lodos
Riscando o meu céu
Alheia à vontade
Estrela que invade
Prosseguindo ao léu
Girando, girando,
Sem tanto nem quando.
4
“ pequena aos enganos,”
Os erros são tantos
E neles encantos
Deveras profanos
Mergulho no tanto
Quanto poderia
Viver fantasia
E ter desencanto
Não colho deveras
O que já plantei
Se tanto cevei
Cadê primaveras?
As flores distantes,
Os dias? Farsantes...
5
“ tão vasta que é o mundo,”
Nele cabem meus sonhos
Risonhos ou medonhos
Se neles me aprofundo
Poeta e cantador
Passado diz presente
Futuro se pressente
Nele entranho amor, dor
A mordaça que cabe
O pedaço perdido
O momento esquecido
Do quanto nada sabe
Quem procura e não vê
Na vida algum por que.
6
“ Entra nesta casa”
Bebe desta fonte
Veja este horizonte
Do sol beba a brasa
Saiba quanto dói
Amor sem amor
Tanto se propor
E tudo destrói
O quanto podia
A sorte bendita
A morte desdita
A mera agonia
E assim sempre o nada
Ditando alvorada...
7
“aberta aos assombros”
Resiste ao tormento
E quando apascento
Vislumbro os escombros
Do quanto desfez
Quem tanto sonhara
A sorte se amara
Mata a lucidez
E o fim se percebe
Atroz e venal
Amor ritual?
Deslinda outra sebe
E sei do que tanto
Viver dita o pranto.
8
“ há muito deixada”
Ao tempo no sol.
Aonde um farol
A sorte calada
A vida se faz
Aonde podia
E tanto agonia
E tudo é mordaz
O peso de outrora
O quanto que vem
O nada diz bem
E o fardo devora
A sorte medonha,
Porém alma sonha.
9
“que é tua e de todos,”
As sendas diversas
E quando tu versas
Em tantos engodos
Os dias melhores
As sortes sutis
O quando desdiz
Em luzes, fulgores
O rastro do quanto
Perdido no tempo
Vital contratempo
Total desencanto
No peito silente
O medo se sente...
10
“nos pensos retratos”
Nos dias vorazes
As sortes falazes
Os velhos contratos
O medo se vê
Na face bisonha
E quem se proponha
Procura um por que
Não posso sentir
Sequer a presença
Sonhar recompensa
Matando o porvir,
Assim ao saber,
Total desprazer...
11
“ na plácida aurora,”
No tempo cruel
Estrelas no céu
A morte devora
Não posso sentir
A brisa suave
Portanto se agrave
Sem ter elixir
Ainda pudesse
Quem sabe sonhar
Ao menos lutar
A sorte, esta messe
Se ausenta e feroz
Ao vago, esta voz...
12
“calou-se nos mapas,”
A sorte diversa
E quando dispersa
Deveras encapas
Os tantos momentos
Aonde podia
Quem sabe alegria
Ou mesmo os alentos
E assim prosseguindo
Em noite remota
A vida desbota
O que fora lindo
E tanto não vejo
Sequer meu desejo.
13
“nos beirais da sede;”
Nas ânsias da vida
Quando de partida
Deitando na rede
Paredes quebradas
Portais destruídos
Os tantos olvidos
As mortes traçadas
Nas sendas mais duras
E tanto é medonho
O que já componho
Em tais amarguras
Ditando o poente
Aonde há nascente?
14
“ secou como um frio”
Do tanto que eu quis
O tempo aprendiz
Deveras desfio
E quando podia
Viver muito além
O que não convém
Ditando a alegria
A morte se vê
No tanto não tenho
E sigo este empenho
E nele um por que
Ao peso do tanto
Semente é quebranto.
15
“nas suas paredes;”
Retratos diversos
E aonde meus versos
Matando estas sedes
Saciam verdades
Mentiras se vêm
E assim sem ninguém
Por mais que inda brades
Não tendo outra chance
Nem tendo caminho
Seguindo sozinho
Aonde se alcance
Veloz caminheiro
Encontra o espinheiro.
16
“ O tempo não sobe”
Também não lhe cabe
Bem antes desabe
Senzala diz lobby
E o porto seguro
Diverso do quanto
Pudesse em encanto
Mas nada asseguro
Somente o meu medo
E dele perfaço
Assim meu espaço
Enquanto concedo
Ao quanto não vivo,
Um sorriso altivo.
17
“ com ódio e receios.”
Com medos diversos
Aonde meus versos
Buscassem recreios
Os veios distantes
Os medos, chacais
As horas iguais
Falsos diamantes
Jogados ao vento
Medonho e infeliz
O mundo desdiz
E assim não lamento
A sorte sofrida
Por quem teima a vida.
18
“ninguém os desata”
Nem rumos desfaz
Quem sabe mordaz
A sorte se ingrata
Vencer temporais
Vencer os meus medos
Sabendo os segredos
Encontro este cais
Aonde me entranho
Vivendo a vitória
Sem tanto vanglória
O quanto do ganho
É feito da luta,
Que tanto se escuta.
19
“ Os nossos arreios”
Os dias bonitos
Aonde infinitos
Invadem meus veios
E vejo afinal
O quando pudera
Na ausência da fera
No tanto venal
O sonho encaro
E tanto me entrego
Jamais sigo cego
Apenas no faro
Bebendo esta sorte
Que tanto comporte.
20
“ as salas e quartos”
Dos sonhos felizes
Meras cicatrizes
Em dias mais fartos
E os partos distantes
O riso cansado
Aonde ao teu lado
Bebi diamantes
Da mina maior
Do amor que celebra
Com vinho e genebra
Caminho de cor,
Saltando o vazio
Infinito espio.
21
“ Faze de pousada”
Aonde ora entranho
O quanto é meu ganho
Dizendo do nada
Deveras sonhara
Com tempo tranqüilo
E quando desfilo
Aumenta esta escara
Gerada do quanto
Em pranto fui teu
E agora perdeu
O rumo e o encanto
No verso mais triste
O sonho persiste...
22
“ sem prazo ou contrato”
Sem tempo de espera
Jardim, primavera
O medo eu retrato
No riso calado
Na fala mais quieta
Quem fora poeta
Agora vedado
Não tendo outro rumo
Não vendo outra luz
Ao quanto conduz
Engodo que assumo
Resumo o não ser
E sonho em morrer....
23
“ Chega a esta casa”
Quem tanto eu queria
Viver fantasia?
A sorte se atrasa
O peso da sorte
Não tendo outra lida
Assim se duvida
E sigo sem norte
Medonho caminho
Resume este nada
Aonde alvorada
Diversa me aninho
E teimo sem leme
Porém nada algeme.
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