sábado, 17 de abril de 2010

30019/20/21/22/23/24/25/26/27/28/29/30

30019


Ao corpo, porto morto o barco leva
E traça após a farsa novo cais
Esparsos dias velhos temporais
Atrozes caminheiros? Mesma treva.
Pudesse em prece ou riso um rito novo
E tanto não viria outra mortalha,
Mas quando encontro a dor que se amealha
Revejo a fome imensa de meu povo.
Estrias dentro da alma, na alameda
Aonde poderia ser melhor,
Desta injustiça a liça sei de cor
Tanta aguardente amarga me embebeda
E tento e não consigo, mas prossigo
Porém o joio toma o que era trigo.


30020


Dos féretros que esta alma já soubera
As ânsias não são mais somente fins
Semente apodrecida em meus jardins
Aonde posso ver a primavera?
A fera se expressando no não ser
A Terra se tornando outra Agripina,
Lunático caminho em que alucina
A fome incomparável do poder,
E posso até saber de um novo sol
Aonde tanta bruma doma a cena,
Mas quando a realidade assim se acena
Ofusca em dor e pranto este arrebol,
Poeta. Um mensageiro da esperança?
Porém voz ao vazio já se lança.




30021

Deslinda-se em cenário tenebroso
O quanto poderia em claridade
No passo que deveras desagrade
Jamais se traduzindo em sorte e gozo.
Um melindroso assunto, vida e morte,
E tanto eu quis até ser mais tranqüilo,
Mas quando em amargor assim desfilo
Que faço se é tão pútrido este aporte?
A porta se mantendo assim cerrada
O quadro desenhado tanto assusta
A força em desvario tão robusta
Gerando após o todo, sempre o nada,
E tanto se porfia inutilmente
Nem mesmo o suicídio me apascente...


30022

Em desalento vejo este retrato
E tanto espelho a dor que ora cultivo
E neste nada ou pouco sigo altivo
Mal importando mesmo qualquer fato,
Espúrio caminheiro do vazio,
Um quixotesco rumo? Nunca mais,
Aonde se pudesse em sensuais
Prazeres do poder, quero e desfio.
Resisto? Na verdade só me acanho.
Ainda não sou podre como tantos,
Embora esta sereia com seus cantos
Prometendo ao corrupto belo ganho,
Mesquinharia diz do mundo agora
A fera? Outra maior chega e devora!

30023

Esgares desta vida em turbulência
Já não permitem mais que se acredite
No rumo aonde existe algum limite
Enquanto mais distante uma inocência.
Ao menos poderia ser diverso
Se a força não vencesse sempre o frágil,
E embora muitas vezes sou tão ágil
Não tendo um só fuzil, restando o verso
E ainda sendo assim um vão soneto
Ultrapassada forma de expressão
As mortes entre tantas mostrarão
Ao quanto na verdade eu me arremeto,
Usando esta palavra, meu cinzel,
Eu tento e vou cumprindo o meu papel...

30034

O Cristo que eu conheço é libertário
Diverso deste milagreiro ser
Que em cada nova Igreja eu posso ver
Por vezes um satânico operário.
Vendido como fosse a panacéia
Jogado contra as feras, Daniel,
Sem ter sequer mortalha, bebe o fel
Depois se crucifica pra platéia.
Atéia esta alcatéia desairosa
Que tanto ouvir falar, mas não percebe
Suprema maravilha de uma sebe
E quando demonstrava a paz, a rosa
Guerreiros do Senhor ou do demônio,
Pastores fazem Deus, seu patrimônio...


30025

A velha prostituta do passado
Vendida a Constantino num jogral
Ainda se pensando a principal
Demônio em santidade disfarçado,
O corpo de um Jesus crucificado
Num mesmo e tão perverso ritual
Aonde se pudera angelical
Apenas sobrevive do pecado.
Satânicos padrecos entre lama
Os riscos do viver sempre aumentando
Quisera ouvir um canto doce e brando,
Mas quando vocifera a fera clama
Sacrificando enfim este cordeiro
Num ato quase insano e traiçoeiro...

30026

Resisto a tanta dor embora eu creia
Na farsa exposta enquanto produzisse
Caminho mais diverso da mesmice
Que tanto invade agora cada veia,
Velando este cadáver, poesia,
Não vejo mais saída e nem pretendo,
Fazendo do meu verso o dividendo
Do nada que este nada só recria,
Aguardo alguma chance, mas eu sei
Que nada se fará após a chuva
Minha alma com seus dotes de viúva
Ainda vê deveras velha grei
Das sendas do passado? Nem a sombra
Apenas o vazio que hoje assombra.



30027
Medonha face exposta da verdade
E nela se percebe muito bem
O que tanta mentira em si contém
Num ato tão terrível que degrade
Funesta festa feita em tom maior
Arquibancada vê o novo drama
E quando um geraldino já reclama
A coisa vai ficando bem pior,
Assim a poesia se entregando
E dela nem mortalha mais se vê
Defunto caminhando sem por que
Cenário que bem sei ser tão nefando,
Um cavaleiro andante quixotesco
Que fez num meio agora mais dantesco?




30028


Querida; que tal chuparmos um tumor?
Querido, na verdade isso já não seduz
Prefiro, é mais gostoso, um pouco de pus.
Assim nosso celebramos nosso amor
E nesta forma até meio romântica
Ao som de Rita Lee, faz tanto tempo,
Enquanto num tranqüilo passatempo
Discutimos enfim física quântica.
Falavas de momentos do passado
Aonde te pegaram numa noite
Uns vinte ou trinta e num pernoite
Quem será que a teria engravidado?
Agora a vida passa e aqui sozinho,
Eu brindo com cocô num espetinho!


30029

Além da curvatura da cintura
A moça requebrando trouxe em mim
Lembrança de outros tempos, chego ao fim
Depois de tanto tempo de amargura
Quem sabe possa ver na criatura
A flor mais temporã deste jardim,
E tanto poderia ser assim
A vida que decerto se procura,
Mas sei destes quadris fenomenais
Rebola, bole e quando me dá bola
Vontade de menino toma e assola,
Porém sei que não posso nunca mais
Caindo na real, eu vejo o espelho
E dando um grande esporro me aconselho.


30030


Ainda que se faça farsa aonde
Pudera a fera imensa traduzir
O quanto nada tendo no porvir
Passado traça a linha e assim esconde
E nada do que fomos traz ainda
O tanto onde pudera parecer
Enquanto a vida eu sinto esvaecer
Futuro eu não concebo nem deslindo
Assisto à formidável heresia
Escravo desta métrica infernal
Não posso transformar um ritual
Em outro senão mato a fantasia
E morta a fantasia se deleta
O que dentro de mim fora um poeta...

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