domingo, 11 de abril de 2010

HOMENAGEM A FRANCISCO QUEVEDO

SONETO

A fugitivas sombras dou abraços,
em sonhos cansa-se a alma nesta via,
passo sozinho em lutas, noite e dia,
com um trasgo que trago entre meus braços.

Quanto mais vou cerni-lo com meus laços,
em vendo meu suor se me desvia.
Volto com nova força a esta porfia
e tal teima de amor faz-me em pedaços.

Vou vingar-me na imagem doidivana,
que não me sai da vista onde a recrio;
de mim se burla, e se burla ufana.

Se começo a segui-la, falta brio;
e, como de alcançá-la tenho gana,
faço correr-lhe atrás o pranto em rio.

FRANCISCO DE QUEVEDO






1

“faço correr-lhe atrás o pranto em rio”
E seguem-se tormentas deste quando
Amor em voz sombria me tomando
Gerando a cada ausência um desafio
Neófito dos sonhos nada vejo
Senão as doces marcas que entranhaste
Até que a vida em duro e vão desgaste
Amaine pouco o pouco este desejo,
Seguindo cara rastro desta estrela
Aonde poderia acreditar
Em força mais sublime, constelar
E assim no fim do todo em paz contê-la
Pudesse ser além de dor e pranto
Ao menos que tanto em versos canto.

2

“e, como de alcançá-la tenho gana,”
Jamais permitiria outro caminho
E quando me imagino mais sozinho
A sorte desairosa tanto engana
Portanto ao me entregar ao sentimento
Sem ter mesmo defesas nada temo
E sigo a correnteza, leme e remo
Sabendo do que em tanto me apresento
Viver esta ternura que enlouquece
E rege o caminhar de quem se deu,
O mundo por instantes sendo meu
Nova esperança aos poucos inda tece,
E tendo estas benesses da ilusão
Encontro em desencontro a solução.

3


“Se começo a segui-la, falta brio”
Mas quando se percebe nova senda
O quanto da paixão em bem se atenda
Permite reforçar-se o forte fio
Unindo dois caminhos tão diversos
Gerados desde antanho em contra-senso
E sendo desta forma, quando penso
Renascem os fulgores em meus versos
E tendo da palavra o meu cinzel
Esboço o que seria uma escultura
No encanto que decerto assim perdura
Caminho sendo aberto; encaro o céu
De tantas formas, ritos e rigores
Usando artilharia dos amores.


4


“de mim se burla, e se burla ufana”
Enganosa e cruel luz que se vê
Aonde poderia e talvez se
Quisesse em face dura e soberana,
Anseio por momentos que não vejo
Tampouco os sentirei se inda os tivesse
E quando ao léu entôo em rito ou prece
As ânsias traduzidas do desejo
Perfaço mesmo em tão vário percalço
O quanto em rumos tantos poderia
Singrar este oceano – fantasia-
E destas esperanças eu me calço
Sandálias entre farpas, fundos cortes
A vida sem sentido busca os nortes.

5

“que não me sai da vista onde a recrio;”
O quando se pudesse ainda ver
Nos olhos de quem tanto tal prazer
Gerando a cada dia o desafio
Medonha e tão terrível face exposta
Gerida pelo encanto que tampouco
Pudesse traduzir o muito ou pouco
Ao mesmo tempo abismo ou alta encosta
Assisto ao caminhar em trevas feitas
E delas percebendo a luz distante
No tanto quanto teimo e me agigante
Enquanto tão ausente em paz tu deitas
Desníveis da emoção mostrando assim
O quanto amor maltrata início e fim.

6


“Vou vingar-me na imagem doidivana,”
Expressões variadas deste tanto
Traçando quando muito dor e pranto
E ousando a cada dia a voz profana
Persisto nesta espúria luta quando
Ouvindo a voz mais mansa de um passado
Permito-me viver este adorado
Caminho em que se vê já transformando
O corte costumeiro em redenção
Mutáveis noites geram tantos dias
Diversos entre cores e matizes
Se nada do que antanho ora desdizes
Pudessem reviver o que porfias
Transido viandante em luzes foscas
Preparo-me ao terror quando me emboscas.

7


“e tal teima de amor faz-me em pedaços”
Sedento em tantas luzes mais diversas
Neons tomando a lua aonde versas
Pensando novamente em velhos traços
Assiduamente tento escapatória
E quando se percebe esta tocaia
Espreita pela qual a sorte traia
Gestando desde o vão à tola história
Marmorizado encanto em raro tom,
Ofídica ternura? Não mais quero,
Tampouco o teu olhar atroz e fero
Traçando o desespero, opaco dom,
E quando se prescinde da esperança
Ao quanto nada fosse a vida lança...


8

“Volto com nova força a esta porfia”
E dela não descanso um só segundo
E quando neste tanto me aprofundo
Sabendo discernir esta alegria
Encontro finalmente o que hora teces
Em tons suaves, ditas minha sorte
E tanto quanto pode este suporte
Trazer ao dia a dia mais benesses,
Assim ao caminhar em face altiva
Andando entre os espinhos, pedregulhos
Ausente dos ouvidos os marulhos
Minha alma muitas vezes já se priva
Do todo que se esboça num momento,
E quando me percebo, imerso ao vento...

9


“em vendo meu suor se me desvia”
O passo tantas vezes prometido
Negando qualquer luz, já distraído
Vagando pela noite, rasgo o dia,
E tento pelo menos conceber
A sorte que deveras não me cabe
E quanto mais a vida em vão desabe
Maiores os descasos, posso ver
Apenas os escombros do que fomos
E neles revivendo a dor insana
A voz que tanto aplaca quanto engana
Diversa do que ainda eu penso, somos.
E a soma do vazio com o nada
Traduz a mesma história em voz velada.

10


“Quanto mais vou cerni-lo com meus laços”
Mais tento conceber a liberdade
Do nada que deveras me degrade
Seguindo mansamente velhos passos
Na areia em turbilhão e temporais
As dunas gigantescas de minha alma
O pantanal dos sonhos não me acalma
Na ausência de caminho, ausente cais
Nefanda história dita o mesmo rumo
E quanto me percebo muito aquém
Por quanta poesia ainda vem
Ao fardo mais mordaz não me acostumo,
Gestando este abandono corriqueiro
O amor quando demais é traiçoeiro.

11


“com um trasgo que trago entre meus braços”
Revivo como fosse algum bufão
As horas de menino, mas em vão
Do quanto fui feliz, sequer os traços
O coração traquina dita normas
E dele não se vê qualquer paragem
Ainda que se pense na paisagem
No amor quando incessante; isto deformas
E trazes como herança a dor sombria
E tanto quanto pode ou mais pudesse
A vida se mostrando enquanto tece
A noite insuperável, tosca e fria,
Aninho-me deveras no passado
E vejo o dia a dia desolado...


12


“passo sozinho em lutas, noite e dia,”
Cansado desta enorme desventura
E quanto mais atroz esta procura
A sorte não se vê ou mesmo adia
A realidade é torpe camarada
E nada do que pude ainda creio
No olhar de quem desejo vejo o anseio
E sigo sem saber a árida estrada
Sem ter nas mãos momento de esperança
Sem ter nos olhos brilho que de antanho
Mostraram velho jogo agora ganho
Enquanto ao mesmo nada já se lança
Realidade turva o meu caminho,
E mesmo enamorado, vou sozinho...


13



“em sonhos cansa-se a alma nesta via,”
E nada do que fosse realidade
Permite o quanto a luz ainda invade
No todo que deveras não se cria
No quadro enternecido da ilusão
Vergastas me cortando se aprofundam
As velhas emoções ainda inundam
Gerando a mais completa sensação
Do fardo que me enverga enquanto tento
Ainda acreditar num novo encanto,
E quando nada vejo mais me espanto
Deixando-me levar por sofrimento,
Amortalhado encanto quero além
Do quanto no vazio sempre vem...


14


“A fugitivas sombras dou abraços,”
Mas nada do que tanto poderia
Viver além do caos, tanta agonia
Gestando com ternura novos laços,
Perece esta ilusão a cada instante
Mortalha se demonstra a vestimenta
Que ainda mesmo em dor já me apascenta
Em tal momento duro e fascinante.
Morrendo as fantasias, resta o nada
E deste nada ao menos posso ver
A chance de outro ser vir, renascer
Tornando inda possível a alvorada,
Cadenciando a vida desta forma,
Nada se perde e tudo se transforma...

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