domingo, 11 de abril de 2010

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29410

“Mas que foi? De repente ouço um ruído;”
Aonde imaginara a negação
O medo se apossando desde então
Ou mesmo a insensatez do frio olvido,
Não posso desejar sequer um riso,
Nem tanto uma palavra acolhedora
O monstro tomando a alma pecadora
Edênica serpente, sem juízo,
Medonhas tardes, noites assassinas
Crepúsculos terríveis tons brumosos
Entre bacantes tantas fúrias, gozos
E as ânsias mais ferozes, minhas sinas.
Mas quando te percebo num alento,
Aplacas este ser tão violento.

29411

“Não! Eu devo voltar, ser esquecido”
Pensara no que tanto mal fizera
E vendo num espelha a amara fera
O corpo que em terrores eu lapido,
A senda em desventura, a mais profana
E tendo este retorno ao que já fora
A casa mesmo pobre, acolhedora
Uma alma em plena incúria hoje se engana.
Marcado a ferro e fogo, morte e dor,
Nefanda criatura, verme em vida
Carcaça perambula e sem saída
Retorna com um ar em estupor,
Fascínio que percebo no teu rosto,
Sorriso invés de treva e de desgosto.


29412

“lembro quem nunca se esqueceu de mim.”
E tendo esta presença na memória
Quem sabe mudaria minha história
E o sofrimento agora tendo fim...
Vagando pelas ruas imagino
Ainda o cais distante, mas presente
E nele toda a sorte se apresente
Enquanto mudo ou tento o meu destino,
A fera se aplacando, pois quem sabe
Ainda reste ao fundo uma esperança
Nos antros mais profundos da lembrança
O mundo que vivi mesmo inda cabe.
Aonde desabara toda a sorte,
Quem sabe o velho porto me comporte?

29413

“e só agora quando a dor me alcança”
Revivo o que pensara enfim extinto
E quando esta ventura; ainda sinto
Renasce dentro em mim bela lembrança
Da sala, dos quintais e primaveras
Das ânsias de um menino sonhador,
E quanto mais me entranho neste amor
Esqueço das andanças podres, feras;
Assim talvez conceba um novo tempo
Vivendo novamente o que foi meu
E a vida, com terror tanto perdeu
Cevando cada espinho ou contratempo
E atento ao vento manso do passado,
À casa cada passo sendo dado...

29414

“traído pela última esperança,”
Um fato chama logo uma atenção
Ao crer na imensidade do perdão
Ao mais divino encanto a alma se lança.
E sôfrego percorro estes degraus
Voltando ao meu passado a cada passo,
E quando mais avança, mais refaço
Do porto de outras eras, velhas naus,
Ascendo ao que deveras poderia
Ter sido se esta vida não levasse
A podridão escusa desta face
Gerada pela angústia em agonia
Ser fera dentre feras, a pior,
Caminho que aprendi e sei de cor.


29415


“e só agora, quando chego ao fim,”
Depois de tantos erros cometidos
Momentos mais ferozes sendo urdidos
Levando a dor imensa dentro em mim,
Arcando com terrível tempestade
Corsário da esperança um ser venal
A pútrida presença do animal
Que a cada novo corte mais degrade
Exangues os cadáveres que fiz,
Estupros e venais carnificinas
As mortes se aprendendo em oficinas
Carcaças coletadas, infeliz,
E assim ao me encontrar em turva senda
Ao menos esperança ainda atenda...

29416


“Vivi a vida, vivi muitas vidas,”
E delas mortes tantas guardo em mim,
À bala, faca, adagas o estopim
Trazendo faces podres e feridas
Num asqueroso rumo e em procissão
Milhares de cadáveres urdidos,
Os passos noutros passos esquecidos
A morte se transforma em profissão
Jagunço, um andarilho em noites fartas
A boca escancarada da miséria
A sorte prazerosa e tão etérea
Jogando sobre a mesa velhas cartas,
Transfigurando assim este demônio,
A vida num completo pandemônio.

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