domingo, 11 de abril de 2010

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29431

“Quero acordar-te, mas não sei se devo”
Assisto ao teu descanso como fosse
Santificada imagem que tão doce
Permite um sonho imenso e até longevo
Revejo em cada ruga, esta loucura
Que tanto me acompanha desde quando
A casa num momento abandonando
Vivera em mil prazeres a amargura.
Menino que brincava no quintal,
À sombra do arvoredo em luzes fartas
A sorte em viciosas torpes cartas
Traçando este retrato tão venal,
Terrível fera adentra o santuário
Demônio num momento, temerário...

29432


“Quero beijar-te a fronte, e não me atrevo”
Chacal apresentando-se ao cordeiro
E quando posso ver, em vão me esgueiro
O peso do passado, trago e levo
Medonhas cicatrizes na minha alma
Espúrio camarada em tantas hordas
E sinto que deveras quando acordas
A tua face ri, e já se acalma,
Não posso acreditar no que estou vendo,
A mansa criatura em alma clara
Ao ver a dura fera se declara
No amor que por amor tão estupendo
Gerando do perdão a eternidade,
Decerto com ternura, uma alma invade...


29433


“a cabeça pendida sobre o peito”
A mansidão expressa neste olhar,
O quanto não podia acreditar
E sobre o teu regaço ainda deito,
Mergulho qual criança no teu colo,
Depois dos vendavais tanta bonança
A paz incomparável já me alcança
O mundo em perfeição, ausente dolo,
E sinto-me deveras novamente
Aquele ser pequeno e tão feliz,
Vivendo tanto amor conforme quis,
Deixando para trás o ser demente
Que outrora fustigara em vil açoite
Perambulando louco em cada noite...

29434

“e te encontro quietinha na cadeira,”
E sinto quanto posso ainda ver
Ao fim do túnel luz e em tal prazer
Viver a paz deveras derradeira,
Loucura se transforma em mansidão
O morto em vida agora renascendo
Momento fabuloso que desvendo
Gerado por benesses do perdão
Legando ao meu passado o que se fez
Em lúbricos caminhos, morte e roubo,
E tendo neste instante um forte arroubo
Mergulho nos teus braços, lucidez
Carinhos entre tantos beijos, sinto,
E o monstro agora, vejo, enfim, extinto...

29435


“Hoje volto coberto de poeira”
As marcas tatuadas nesta pele
O amor que tantas vezes nos compele
Gerando noite imensa e traiçoeira
Levara para longe quem deveras
Sabia deste encanto que há em ti
E tantas vezes louco me perdi
Ao me tornar a fera que entre feras
Devora a própria fera, canibal
Matando por matar, doce vingança
Enquanto ao próprio inferno já se lança
No olhar deste facínora venal
O brilho se mostrando em sangue e dor,
A desventura aos poucos se compor...

29436


“cantando uma cantiga de ninar”
Quem tanto desejara algum momento
De paz ao perceber suave alento
Não pode mais seu rumo transmudar
E sinto finalmente o que eu sabia
Há tanto e me perdera em falsas luzes
Ao paraíso eterno me conduzes,
Mas sempre preferira a tez sombria
E dela se sorvendo cada gole
A morte não perdoa quem a bebe,
E sendo tão cruel e audaz tal sebe
Aos poucos o demônio já me engole
E vê no meu olhar seu próprio espelho
Na súcia costumeira eu me aconselho.


29437


“olhando o leito que eu deixei vazio, “
Percebo quanto a vida se faz vária
E nela a sorte amarga e procelária
A cada instante mais eu desafio,
Medonha face dita o meu retrato
E nega com terror o que seria
Apenas diamante ou pedraria
E agora seca em mim manso regato,
O verme que lacera qualquer sonho,
Mesquinho camarada, lobo vil
Atocaiada fera, que se viu
Em ar tão tenebroso e mais medonho,
Refeito na criança que deixei,
Na luz de uma esperança eu me entranhei...

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