28025
“Que nas noites de inverno ao vento se balança”
A trágica loucura enfeita cada verso
E sigo sem caminho, ausente ou mais disperso
Distante deste olhar o que fora esperança
A morte me rondando, encontro finalmente
Depois de tanto tempo alento aonde outrora
O medo se expressa e a fúria me decora
Tomando num instante a razão mais premente,
Não posso suportar a ausência da alegria
Aonde em tempestade a vida se traduz,
Escondo o meu olhar até da própria luz
A vida se eterniza em dor e em agonia,
Nefanda realidade afasta-me da glória
A morte já seria enfim, uma vitória.
28026
“Ou de uma tabuleta à ponta de uma lança,”
Jogado pela rua, um pária nada vê
Somente este vazio e nele ainda crê
Enquanto a dor açoda e a solidão avança.
Mergulho neste abismo imenso que aos meus pés
Criado a cada instante ainda traduzindo
O que deveras fora, outrora quase infindo,
E trama sem sentido, a sorte das galés
Nefasta criatura, a morte não bebendo,
O medo em minha veia, o gozo mais distante,
A noite em turbulência, a sorte esta farsante,
O peso do viver, inglório e frio adendo,
No quanto poderia um dia não se fez,
Tocado tão somente, imensa insensatez.
28027
“Cujo grito lembrava a voz dos cata-ventos”
Deveras retornando ao nada de onde vim,
Sabendo desta ausência, invado e sei por fim,
Que jamais poderei encontrar os alentos
Ao menos quem me dera um dia mais feliz,
A noite se mostrando audaz e mesmo fria,
O sonho a cada instante austero já se adia,
E o beijo do passado, imensa cicatriz
Tatua-se em meu peito, angústia tão somente
O peso desta vida, atroz e sem saída,
Arfante num delírio, o quanto já se acida,
Matando o que seria ao menos a semente
De um tempo glorioso ao nada me remete
O quanto em dor se faz apenas se repete.
28028
“Pendiam do esqueleto uns farrapos poeirentos,”
Jogados pela rua, intensa claridade,
Vagando sem destino invade esta cidade
E deixa como rastro apenas os tormentos,
Não pude mais conter a sorte inexistente
E o medo de seguir à lua radiosa,
Enquanto a fantasia, ainda toma e glosa,
O velho coração agora um penitente,
Exposto ao nada ser e nada produzindo,
O manto se amortalha, o corte se agiganta,
A fúria do viver outrora sendo tanta
Transcorre em dor imensa, o tempo sendo infindo,
O sofrimento atroz, jamais terminará,
E o sol que tanto almejo, um dia brilhará?
28029
“No qual julguei ter visto a cor do sangue vivo,”
Já não comportaria a dura realidade,
O cetro da esperança esboça este degrade
Do qual eu poderia, ainda sendo altivo
Falar em verso manso e sei que sendo triste
O medo que me açoda, o gozo mais terrível,
O sangue em minha boca, a sorte tão temível.
Insano lutador, eu sei nunca desiste,
Mas sabe muito bem o quanto é doloroso
Caminho em trevas feito, incauto passageiro,
Navega a cada esquina e vê quão corriqueiro
O corte na garganta, o imenso e raro gozo,
E majestoso mesmo, um filho destas trevas,
Persisto em vaga noite, enquanto em vida cevas.
28030
“A meu lado, em lugar do manequim altivo,”
Percebo esta figura, em rara jugular
Faminto e desdenhado, o quanto me fartar
E assim a cada noite, intenso sobrevivo,
Bebendo toda gota exaurindo este anseio,
O trágico caminho aonde penetrara,
Já não permitiria a vida sendo clara,
E a vítima se mostra enquanto eu a rodeio,
Nefasta maravilha, alheio aos meus terrores
Percorro cada beco, ausente de uma luz,
A sorte desairosa aos poucos me conduz,
E nela tão nefando, abrigo amargas flores,
Esgarço cada fonte, e traço este vazio,
Aonde em gula imensa, eu mesmo me recrio.
28031
“E ao reabri-los depois, à plena luz do dia,”
Percebo a dor imensa intensa claridade,
O quanto em turva senda ainda alto se brade
O sonho na manhã deveras já se adia,
Porfio em turbulência e traço o meu futuro
Em vias mais sutis, e quando assim procedo,
O tanto do passado ainda dita o enredo
De quem vive somente em ar sombrio e escuro,
Num pêndulo o viver em luzes se desfaz,
O quanto poderia e sei ser muito além,
Da treva que eu adoro e nela se contém
O gozo mais atroz, talvez o mais mordaz,
Satisfazendo enfim, glutão, mesmo asqueroso,
Da podridão, do sangue encontro o fino gozo.
28032
“Os dois olhos fechei em trêmula agonia,”
Deveras poderia ao menos ter a chance
De crer noutro momento aonde a sorte avance
E ao menos conhecer a bela poesia,
Mas nada disso posso, e enfrento a minha sorte
Com toda morbidade e nela com audácia
Alimento divino, um néctar feito hemácia
Quem vive tão somente assim da alheia morte
Conforma-se no ser eterno em treva tanta
E quando mais procura, encontra com fartura
O gozo desejado, em noite sempre escura,
E quanto mais deseja assim já se agiganta,
A senda feita em sangue e pútrida verdade,
Ainda que feroz, com gozo ora me invade.
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