terça-feira, 30 de março de 2010

HOMENAGEM A PATATIVA DO ASSARÉ

Flores murchas


Depois do nosso desejado enlace
Ela dizia, cheia de carinho,
Toda ternura a segredar baixinho:
— Deixa, querido, que eu te beije a face!

Ah! se esta vida nunca mais passasse!
Só vejo rosas, sem um só espinho;
Que bela aurora surge em nosso ninho!
Que lindo sonho no meu peito nasce!

E hoje, a coitada, sem falar de amor,
Em vez daquele natural vigor,
Sofre do tempo o mais cruel carimbo.

E assim vivendo, de mazelas cheia,
Em vez de beijo, sempre me aperreia
Pedindo fumo para o seu cachimbo.






1

“pedindo fumo para o seu cachimbo”
Olhando para trás vendo o passado,
O tempo que pensara abençoado
Agora se percebe em pleno limbo,
O coração de um velho cantador
Ouvindo o murmurejo do riacho,
Lembrando do fogão, da mesa e o tacho,
Ainda revivendo o grande amor
Que um dia foi embora e não voltando
Deixando o sofrimento invés de reza,
A sorte tantas vezes nos despreza
Qual fosse passarinho, segue o bando
E nunca mais voltou da arribação,
Ao velho só restando a solidão.

2


“Em vez de beijo, sempre me aperreia”
O saber da solidão que não se acaba,
A casa, esta palhoça, quase taba
Um dia, eu me recordo, sempre cheia,
Agora sem ninguém só a saudade
Que não me deixa em paz, tomando conta,
Minha alma solitária desaponta
Enquanto esta tristeza vem e invade,
Falando deste amor que já se foi
E nunca mais voltou; tristeza deixa
Ao coração restando simples queixa
Rumino o meu passado feito um boi,
E a sorte depois disso, nunca vi,
Somente a solidão que mora aqui.

3


“E assim vivendo, de mazelas cheia,
Saudade de quem foi para outra terra,
Lembrança tão somente é o que se encerra
No peito que a lembrança ora rodeia
Falando de luar e de viola,
Dos dias mais felizes desta vida,
Agora uma esperança já perdida,
Tristeza toma conta e tudo assola,
A casa tão vazia, o peito em dor,
Assim somente vejo o triste fim,
Quem dera se voltasse para mim
Aquela que se foi, e o sofredor
Ponteia de saudade e em cada corda
O amor que já não tenho se recorda.


4


“Sofre do tempo o mais cruel carimbo”
Lembrando de uma casa, da tapera
De um tempo que passou; da primavera
Amor que nem fumaça do cachimbo
Aos poucos se perdendo, vai embora
Deixando só as cinzas, nada mais,
E quando vejo os tristes vendavais,
Minha alma, tão sozinha, ainda chora.
E o céu ficando escuro, o coração,
Troveja de saudade, sempre dói
O mundo que criei; tudo destrói,
Aonde quis um sonho, ouço este não,
Repete a mesma sina do vaqueiro,
Correndo em meio à pedra e espinheiro.

5


“Em vez daquele natural vigor”
Somente uma saudade me enfraquece,
Por mais que ainda tente em reza e prece,
Aonde se escondeu o meu amor?
Não pude perceber em que lugar
Está quem tanto quero e disse adeus,
Pudesse me dizer querido Deus,
Eu ia com certeza procurar,
A solidão batendo em minha porta,
O medo penetrando na janela,
Fraqueza do vaqueiro se revela,
O som desta viola ao longe corta,
E tudo o que pensara em alegria,
Agora se transforma em agonia...




6


“E hoje, a coitada sem falar de amor”
Minha alma se entregando à solidão,
Apenas neste fumo dá vazão
Ao quanto o peito sabe sofredor,
Olhando no horizonte busco a lua,
Que possa clarear minha saudade,
E quando esta beleza já me invade,
O pensamento eleva e se flutua,
Vencendo esta distância tão cruel,
Chegando de mansinho junto a ti,
Amor que tanto espero e já perdi,
Vagando qual estrela neste céu.
A sede de te ter não me sustenta,
A lua não mais vem, vejo a tormenta.

7


“Que lindo sonho no meu peito nasce”
A cada noite quando eu já me lembro
Daquele belo dia de setembro,
Olhando mansamente a sua face,
A primavera em flores no jardim,
A primavera intensa em cores tantas,
E num momento vejo que levantas
Chegando bem pertinho, assim de mim,
Sentindo o teu perfume, uma delícia,
As mãos se procurando num carinho,
Jamais imaginei ficar sozinho,
O amor se fez então tanta carícia,
Agora me restando uma tristeza
Somente e junto dela esta incerteza.


8


“Que bela aurora surge em nosso ninho”
As cores desta bela primavera,
O sol ao longe chega e já tempera,
Dourando cada parte do caminho
Por onde tu partiste e não voltaste
Deixando o coração deste vaqueiro
Em pranto, sofrimento verdadeiro,
A aurora no meu peito faz contraste,
Aonde brilha tanto, escuridão,
As cores diferentes, tristes tons,
Viola de minha alma tange sons
Dolorosa deveras, a estação.
E a solidão no ninho já me diz,
Do quanto sou decerto um infeliz.


9


“Só vejo rosas, sem um só espinho”
Canteiro que imagino, mas não tenho,
Maior que seja mesmo o meu empenho,
Que faço se caminho tão sozinho,
A lua do sertão já não tem brilho,
O coração tristonho diz adeus,
E os dias que pensava fossem meus,
Diversos deste rumo que hoje trilho,
Vagando sem destino e já cansado,
Não posso mais viver sem ter futuro,
O chão – eterna seca- se faz duro
Vivendo tão somente do passado,
Ausente dos meus olhos a esperança,
Enquanto a vida arrasta, lenta, avança...

10


“Ah! Se essa vida nunca mais passasse!”
Pensava quando tinha aqui comigo
Aquela que se fez em puro abrigo,
Mostrando da alegria sua face,
O tempo destruindo todo sonho,
Não deixa sequer marcas, o retrato
Que vejo na parede, o velho prato
Sinais do amor que tive, hoje é medonho.
Saber aonde encontro quem um dia
Deixando o coração bem mais contente
E agora tão distante e tão ausente
Virou nos pensamentos fantasia,
Chegando do roçado, o meu castelo,
Agora se traduz neste rastelo.

11


“- Deixa, querido que eu beije a sua face”
Assim ouvia a voz de quem partira
Meu coração rasgado e em cada tira,
Apenas na verdade tanto impasse,
Vencido pela dor desta saudade,
Não posso suportar esta lembrança,
O amor penetra fundo feito lança,
Aonde se escondeu felicidade?
Não pude perceber a direção
Por onde caminhaste, bem amada,
E agora a cada nova madrugada,
Apenas me restando o violão
Ponteio esta tristeza sem limite,
É tudo que o amor inda permite.


12


“Toda ternura a segredar a baixinho”
Contando deste amor que um dia fora
O dono de uma vida sonhadora
E agora abandonou de vez o ninho.
Pudesse ter juntinho dos meus dias
Quem tanto se fez dona do viver,
Somente me restando o desprazer,
Por onde, meu amor, tu andarias?
Pergunto e ninguém sabe, nem responde,
O sol já não mostrando sequer rastro,
Por todos os caminhos eu me alastro,
Procuro, mas jamais descobri onde
Está quem tanto quero; doce amor,
Meu peito, sem carinhos, sofredor.

13


“Ela dizia cheia de carinho”
Do amor que tanto eu quis e recebia,
Porém ao ver: foi tudo fantasia,
Da morte a cada dia me avizinho,
Seguindo solitário, um andarilho,
Vagando por estrelas, céu e lua,
Minha alma segue só e continua
Procura a cada instante por um trilho
Que mostre; onde se esconde quem eu quero
Saber onde se esconde de repente,
Aquela que minha alma já pressente
Presente neste mundo amargo e fero,
Sincero, não me esqueço de sonhar,
Seguindo cada raio do luar.

14


“Depois do nosso desejado enlace”
Falando ao coração de tanto amor,
Somente um velho triste e sofredor,
Mostrando a realidade noutra face,
Viola ponteando esta lembrança
Vontade de poder estar contigo,
Amor que tanto quero e já persigo,
Somente uma esperança ainda alcança
E toco com meus lábios tua pele,
O pensamento voa, sem paragem,
Seguindo sem parar esta viagem
No amor que tanto quero e me compele,
Viver felicidade finalmente,
É tudo o que minha alma quer e sente...

Nenhum comentário: