terça-feira, 30 de março de 2010

HOMENAGEM A VINICIUS DE MORAES

SONETO DE SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


1

“De repente, não mais que de repente”
Do todo que se fora resta o nada,
Aonde poderia uma alvorada
Somente a bruma imensa se pressente,
O corte penetrante da saudade
Invade e não permite outra saída,
A sorte tanta vez enaltecida
Aos poucos já percebo se degrade,
E o quanto deste amor nada restando,
Somente a fúria feita em dor, lamento,
E quando me recordo e me atormento,
O tempo sendo outrora bem mais brando
Tempestuoso, queda e nada além
Da solidão enorme ora contém.

2


“fez-se da vida uma aventura errante”
E nada se permite, nem o sonho,
E quando em cada verso que componho
Aonde se pensara deslumbrante
A vida se perdendo em rumos vãos,
Negando a própria sorte, solitário,
O encanto tantas vezes necessário,
Deixando como rastros meros nãos,
O medo se apossando dos meus dias,
O nada toma conta do meu peito,
Pensara noutro tempo, satisfeito,
Porém as minhas mãos estão vazias,
Jogado contra as ondas, sem um cais,
Meu barco enfrenta duros temporais.

3


“Fez-se do amigo próximo o distante”
E o ocaso dominando o céu, sombrio
A vida muitas vezes, desafio,
O rumo se perdendo a cada instante,
Vencido em noite amarga, nada tenho,
Somente esta certeza do não ser,
O amor que tanto quis, traz desprazer,
Maior que tenha sido o meu empenho,
A dor dilacerando a minha pele,
Vergastas onde quis carinhos teus,
Os dias se repetem; mesmo adeus,
Loucura em desespero me compele,
Vagando pelas ruas solidão,
Ouvindo por resposta sempre o não.


4


“E de sozinho o que se fez contente”
Tornando o meu caminho em aridez,
O amor que tanto quis e se desfez
Apenas o final torpe pressente
Uma alma sonhadora do passado,
Vestindo as ilusões que já não cabem,
Castelos da emoção cedo desabem,
O quanto desejara, destroçado.
Pensando em ter talvez algum alento,
Procuro por sinais e nada vejo,
Somente vive em mim este desejo,
Que nunca abandonou meu pensamento.
Pudesse ter ainda uma esperança,
Mas como se ao vazio alma se lança?

5

“Fez-se de triste o que se fez amante”
Jogado pelos ermos, noite escura,
Cansado de viver tanta procura,
O mundo desabando num instante,
A noite se aproxima tão medonha,
Nefastas sombras dizem dos teus passos,
A dor vai ocupando meus espaços,
Minha alma inutilmente ainda sonha,
E o quanto fui feliz e não sabia,
O quanto te queria e te perdi,
Razão de toda vida havia em ti,
Agora tão somente a fantasia
Ainda me alimenta, mas persiste,
A noite solitária, amarga e triste.


6


“De repente, não mais que de repente”
O mundo transformado em dor e treva,
Aonde à solidão inda me leva,
Pudesse ter no olhar a luz que sente
Uma alma sonhadora em busca inútil,
Vasculho pelas ruas da cidade,
Aonde poderei felicidade,
O amor se fez terrível, vida fútil.
O quarto escuridão, nada de luz,
Mesquinhos companheiros bar em bar,
Não tendo minha noite algum luar,
Somente esta neblina me conduz,
E leva aos meus momentos mais felizes,
Que sei serem somente cicatrizes.


7


“E do momento imóvel fez-se o drama”
Negando toda a sorte a quem queria,
Viver intensamente esta alegria,
Caminho que o desejo sempre trama,
Desfaço em passos torpes caminhada,
E nada deste sonho se fez vida,
A sorte noutra sorte sendo urdida,
Tornando mais brumosa esta alvorada,
Pudesse pelo menos perceber
Quem tanto eu desejei e não me quis,
Seguindo pelas ruas, infeliz,
Buscando qualquer sombra de prazer
Que possa me trazer um lenitivo,
Desta esperança tola, sobrevivo...



8


“E da paixão fez-se o pressentimento”
De um tempo a sorte poderia
Vencer esta terrível agonia,
Que invade como um frio e torpe vento,
Quem dera se pudesse, ah quem me dera,
A vida se mostrando mais venal,
O amor que imaginara sem igual,
Morrendo em duro inverno, a primavera
Distante dos meus olhos, busco flores
Apenas espinheiros no caminho,
E o quanto prosseguindo mais sozinho
Distante desta estrada aonde fores,
Escrevo cada verso de saudade,
Enquanto a solidão fria me invade.

9


“Que dos olhos desfez a última chama”
Não deixando sequer sobrar a sombra
Do amor que qual espectro ainda assombra
Enquanto a solidão, venal, me chama,
E o quarto se escurece em noite amarga,
A sórdida lembrança me desfaz,
Aonde desejara ao menos paz,
A voz a cada ausência mais se embarga,
O corte se aprofunda, e nada tendo,
O vento adentra em fúria meus umbrais,
Exposto aos mais terríveis vendavais
Pensara num futuro que estupendo
Percebo tão somente me frialdade,
Regado pelas mágoas da saudade.


10


“De repente da calma fez-se o vento”
E tudo o que pensara em mansidão
Deveras neste imenso turbilhão
Traçando com vigor o desalento,
Pudesse te encontrar, talvez tivesse
A sorte de viver com alegria,
O amor que tanto ainda doma e guia,
Quem sabe me traria rara messe,
Mas tudo não passando de ilusão
A sombra do passado me rondando,
E o que deveras fora outrora brando
Agora se transforma em furacão,
E tantos vendavais e terremotos,
Os sonhos se tornando mais remotos.


11




“E das mãos espalmadas fez-se o espanto”
Aonde desejara ter a paz
O passo que se dera mais mordaz,
Impede na verdade algum encanto,
Servindo de alimária sigo só,
Tristezas me domando, nada resta,
Do coração que um dia em plena festa
Sobrando tão somente, frio e pó,
Não posso perceber outro momento
Aonde com a glória me encontrasse,
A vida me mostrando nova face
E nela se concebe o desalento.
E tento ser feliz, porém vazio,
O mundo em versos tristes, eu desfio...


12


“E das bocas unidas fez-se a espuma”
Trazendo para a praia a mera escória
Aonde se pensara na vitória
A vida pouco a pouco já se esfuma,
Andando sobre pedras, espinheiros,
Não posso perceber a luz do sol,
Tristeza dominando este arrebol,
Momentos com certeza derradeiros,
No quanto quis somente alguma estrela
E a noite em brumas feitas me negava,
A sorte se é do amor a mera escrava,
Deveras é melhor nunca contê-la;
Saber quanto é possível caminhar
Talvez abrande ainda o bravo mar.


13


“Silencioso e branco como a bruma”
Ausente de esperança; sigo apenas
Buscando noites calmas e serenas,
Porém para distante o sonho ruma,
Deixando simples marcas, cicatrizes,
Algozes tempestades se porfiam,
E quando as noites chegam e se esfriam,
Acumulando dores e deslizes,
Escuto a voz do nada e mesmo assim,
Procuro algum alente e nada vejo,
Se o tempo sonegando este azulejo
Nevoenta madrugada não tem fim,
E amor que tanto quis, em negação,
Dizendo desta vã separação.

14


“De repente do riso fez-se o pranto”
E nada mais traria um novo sol,
Aonde navegar sem o farol,
E como respirar tal desencanto,
Se o quanto fui feliz ainda visse,
Porém realidade me desmente,
E vivo da ternura tão ausente,
A vida repetindo esta mesmice,
Alheio ao que virá, nada me importa,
Apenas sei do nada que carrego,
Vagando pelas ruas, sigo cego,
Fechada num segundo toda a porta,
Separação tomando o meu caminho,
Aonde quis ternura, vou sozinho...

2 comentários:

sogueira disse...

Fantástico, querido Marcos, você é D +

Oneida Nascimento disse...

Maravilhoso...aplaudo de pé!! Beijinhos