segunda-feira, 29 de março de 2010

HOMENAGEM A JG DE ARAUJO JORGE

"A Vida"
I
"...Mudarás, todos mudam, e os espinhos
com surpresa verás por todo lado,
- são assim nesta vida os seus caminhos
desde que o homem no mundo tem andado...

Não hás de ser o eterno namorado
com as mãos e os lábios cheios de carinho,
- hoje, juntos os dois... tudo encantado!
- amanhã, tudo triste... os dois sozinhos!...

E sentindo o teu braço então vazio,
abatido verás que não resistes
à inclemência do tempo úmido e frio!

Rolarás por escarpas e barrancos:
sobre o epitáfio dos teus olhos tristes
trazendo a campa dos cabelos brancos!"

J. G. de Araujo Jorge


1


“trazendo a campa dos cabelos brancos”
Em copos de cristais brindes de outrora
Especular imagem me apavora
E a vida; eu levo aos trancos e barrancos,
Aonde poderia ter a sorte
De um dia feito em paz já não consigo
O tempo sonegando algum abrigo,
Nem mesmo a experiência me conforte,
Jogado contra a imensa realidade,
A mocidade ausente, o fim pressinto,
O sonho a cada noite segue extinto,
Somente este vazio agora invade
E o medo de viver, tão temerário
Invade o coração de um solitário...


2


“sobre o epitáfio dos teus olhos tristes”
A marca do que fomos e perdi,
O mundo se perdendo, então aqui,
Sabendo que deveras não existes
Caminho sobre pedras, espinheiros,
Os dias se passando e nada mais,
Festivos sentimentos? Se jamais
Os sonhos poderiam verdadeiros,
Infaustos caminhares pelas sendas
Aonde a treva toma num segundo,
E quando no não ser eu me aprofundo,
As sortes que vivera, meras lendas,
Morrendo a cada dia, não me resta
Sequer a luz em frágil, tênue fresta.

3

“Rolarás por escarpas e barrancos:”
Em meio aos temporais, barco sem rumo,
O quanto deste amor que tanto assumo
Permite que se tenha em atos francos
Verdades mais capazes, mesmo quando
O quanto desejara se desfez
Ainda se propaga a insensatez
E o mundo que pensara se tornando
Atroz sem ter defesas, morro só,
Não pude conseguir sequer perdão,
As horas do futuro mostrarão
Desfeito da esperança cada nó,
E o vento que ora invade esta janela
O frio do futuro já revela.


4


“à inclemência do tempo úmido e frio”
Batendo em minha porta já me alerta
Da sorte tão atroz quando deserta
E nela a mesma dor que desafio,
Medonhas madrugadas solitárias.
Senzalas e correntes, frágeis pés,
Aonde se pensara tais galés
Deveras não seriam necessárias
Somente alguma brisa mais suave,
Tocando no meu rosto poderia
Trazer à tona a velha fantasia,
Porém a cada tempo mais agrave
O quanto desejei e nada tive,
Minha alma, sem futuro, sobrevive.

5


“abatido verás que não resistes”
Ao quanto deste encanto se perdeu,
O mundo que pensavas todo teu
Agora em dias tolos, toscos, tristes,
Açoda-te o vazio de um momento
Aonde não se pode perceber
Sequer alguma sombra do prazer
Tocado por terrível desalento,
Vestindo a fantasia da esperança
A mórbida figura do passado,
Vencendo qualquer luz ditando a sombra
E quando a realidade vem e assombra,
O medo há tanto tempo anunciado
Preconizando a morte em solução,
Matando o que restara de um verão.


6


“E sentindo o teu braço então vazio,”
Jogado sobre mim, pensando em quem
Jamais outro momento inda contém
Deixando-te deveras neste frio,
Sentir tua presença mais ausente,
Amortalhada insânia me tortura
Nos olhos de quem amo, esta amargura,.
Vazio caminhar já se pressente,
E tendo todo o infausto de saber
O quanto é dolorida a caminhada,
Aonde poderia mansa estrada
Somente tempestade posso ver,
Colhendo cada fruto apodrecido,
O amor que tanto quis, morre no olvido.


7


“amanhã, tudo triste... os dois sozinhos”
Já não percebo sorte aonde um dia
Deveras tanto sonho se porfia
Matando o que pensara serem ninhos,
Angustiadamente a vida passa
E o nada se transborda cala o sonho,
Imagem de um futuro tão medonho,
Ainda se mostrando em vã fumaça,
Assisto ao meu final e a cada verso,
Restando dentro em mim medo e terror,
Pudesse ter ainda o grande amor,
Que sinto a cada tempo mais disperso,
Jogada contra as ondas, minha sorte
Percebe tão somente o fim, a morte...


8

“- hoje, juntos os dois... tudo encantado”
Um sonho fabuloso e nada mais,
Aonde se expusesse aos vendavais
Somente no final a dor e o enfado,
Jogando contra a sorte nada veio,
Sedento deste afeto; não percebo
E quando um novo dia, inda concebo
Meus olhos se tomando por receio,
Ainda que pudesse ser feliz,
Diverso do que tanto imaginara
Minha alma se tornara mais amara
Que a própria realidade contradiz,
Angustiadamente o verso traça
O quanto deste amor se fez fumaça...

9


“com as mãos e os lábios cheios de carinho,”
Tentara descobrir algum alento,
Mas quando se entregando ao sofrimento
Percebo quanto sigo vão sozinho,
Escalo as cordilheiras e não vendo
Sequer um rastro teu, se eu a perdi,
O amor que deseja tanto em ti,
Outrora se pensando em estupendo
Agora não passando de temor,
E nele nada crendo, só desfruto,
O velho coração se faz astuto
E ainda tendo um sonho a te propor,
Mergulha no oceano mais profundo,
E segue solitário e vagabundo...


10


“Não hás de ser a eterna namorada”*
Daquele que se fez em luz sombria
E quando a realidade fantasia,
A sorte preparando a derrocada
Deveras somos feitos óleo e água
Já não se pode crer num amanhã
Aonde o desespero em seu afã
Acende a mais dispersa e frágil frágua.
O quanto se pensara em glória enfim,
Não deixa mais restar uma esperança
A vida sobre o nada já se lança
Agreste totalmente este jardim,
E o medo do futuro traz vazio
O que já fora outrora algum estio.


11


“desde que o homem no mundo tem andado”
A sorte se fez má e destroçando
O que pensara ser suave e brando,
Apenas um retrato do passado,
Anseio por momentos mais gentis
E neles te percebo bem aqui,
Se o sonho a cada dia mais perdi,
Não poderei sequer ser tão feliz,
O vento se aproxima a destelhar
O abrigo aonde um dia imaginara
A sorte abençoada, bem mais clara,
Exposta aos raios nobres do luar,
Mas vejo o temporal e nele traço,
A vida sem carinho em tempo baço.

12


“- são assim nesta vida os seus caminhos”
Levando para um cais mais traiçoeiro,
O amor quando se mostra por inteiro
Prepara a cada passo novos ninhos,
Mesquinharias ditam o abandono,
E quando não se vê outra saída,
A sorte desnudando nossa vida,
Traçando em primavera um duro outono,
Apenas o inverno me restando,
Depois somente o fim e nada mais
Angústias corriqueiras, invernais,
Aonde imaginara um tempo brando,
Ausência de calor, terrível frio,
E o coração deveras tão vazio.


13


“com surpresa verás por todo lado,”
Quem tanto já reluta e busca enfim,
Que possa ter a flor no seu jardim,
Um dia com certeza abençoado,
Atrozes madrugadas, noites frias,
E o gozo de um prazer que nunca veio,
Ainda vive em mim tanto receio,
Matando as minhas próprias fantasias,
Quimera se espalhando na seara
E o canto de emoção já não escuto,
Ao coração restando um tosco luto,
A sorte a cada dia desampara,
E o medo de seguir doma o cenário,
O sonho se mostrando um vão falsário.


14


“"...Mudarás, todos mudam, e os espinhos”
Que agora me trouxeste invés de rosas,
Aonde as sortes foram caprichosas,
Os dias se tornaram mais daninhos,
Mergulho neste imenso precipício
E rondo as noites mansas que quisera
O coração matando a primavera,
Inverno se tomando em torpe vício,
Audazes caminhares do futuro,
Mesquinhos dias trago do passado,
O tempo a cada dia anunciado
Somente se traduz por medo e escuro,
Nefastas as manhãs em tantas brumas,
Tal qual as esperanças já te esfumas...

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