sexta-feira, 2 de abril de 2010

HOMENAGEM A FEDERICO GARCIA LORCA

Romance sonâmbulo


Verde que eu te quero verde.
Verde vento. Verde ramas.
O barco por sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Como a sombra na cintura,
ela sonha em sua varanda,
verde carne, tranças verdes,
Verde que eu te quero verde.
Por sob a lua cigana,
as coisas a estão olhando
sem ela poder olhá-las.
Verde que te quero verde.

Grandes estrelas de escarcha
vêm com o peixe de sombra
que abre o caminho da alva.
A figueira arranha o vento
com a lixa de suas ramas
e o monte, gato gardunho
eriça suas pitas ágrias.
mas quem virá e por onde?
Ela está em sua varanda,
verde carne, tranças verdes,
sonhando na onda amarga.

— Compadre, quero trocar
meu cavalo por sua casa,
meus arreios pelo espelho,
minha faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
já desde os portos de Cabra.
— Se eu pudera, meu amigo,
este trato se fechava.
Mas eu já não sou eu mesmo
nem esta é mais minha casa.
— Compadre, quero morrer
decentemente na cama;
de punhal, se pode ser
com os lençóis de cambrai.
Vês a ferida que tenho
desde o peito até a garganta?

—Trezentas rosas morenas
leva tua camisa branca.
Teu sangue transuda e cheira
ao redor de tua faixa.
Mas eu já não sou eu mesmo
nem esta é mais minha casa.
— Deixai-me subir ao menos
até às altas varandas;
deixai-me subir, deixai-me
até às verdes varandas!
Corrimões verdes da lua
por onde retumba a água.

Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremulavam nos telhados
faróis de folhas de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.

Verde que eu te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
os dois compadres subiram
O longo vento deixava
na boca um raro sabor
de vel, de menta e alfavaca.
— Compadre! Dize onde está
onde está tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperava,
cara fresca, tranças negras,
aqui na verde varanda!

Sob o rosto da cisterna
balançava-se a cigana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Um carambano de lua
a ampara sobre a água
A noite tornou-se íntima
qual uma pequena praça,
bêbados guardas-civis,
brutais, à porta chamavam.
Verde que eu te quero verde.

Verde vento. Verdes ramas,
O barco por sobre o mar
e o cavalo na montanha.

*Tradução de Leônidas e Vicente Sobrinho Porto




1


“E o cavalo na montanha
Na cigana sensação
Libertária solução
Vez em quando perde ou ganha
E completa a sua sanha
Com temor, com decisão
Novos dias mostrarão
O calor de outra montanha?
Nada digo, nada espanta
Coração em fúria tanta
A proposta dita o rumo
Do que pode ou mesmo vago,
Bebo a sorte e em cada trago
Os meus erros, eu assumo.

2

“O barco por sobre o mar
Se dourando em forte sol,
Esperança diz farol
Um prazer onde ancorar
Caminhando contra o vento
Necessário ter enfim
Toda a força e crer no fim
Do que fora desalento,
Venço o medo e sigo em frente
Nada temo, nem passado,
O caminho já traçado
Solução que se apresente
Peito aberto, soberano
Coração solto, cigano.

3


“verde vento, verdes ramas”
Verdes olhos do futuro
Navegando já procuro
Quando distante me chamas
Vou buscando esta esperança
Cavaleiro sem paragem
Verdejando a paisagem
Noutro rumo já se lança
Não percorro o mesmo trilho
Das sementes, a colheita
Alma livre se deleita
E deveras bebo o brilho
Da manhã em bela aurora,
Tanta luz que nos decora!

4

“Verde que te quero verde,
Tudo ganha quem batalha,
Coração feroz retalha
Com certeza não se perde
E sabendo a direção
Cada passo esperançoso
Traduzindo o pleno gozo
Dos momentos que virão
Ascendendo ao infinito
Cavaleiro ganha espaços
E seguindo antigos traços
Vai traçando um mais bonito
Sorte alheia, sorte tanta
Coração feroz se encanta.

5


“brutais, à porta chamavam.”
E teimavam contra a sorte
Traduzindo logo a morte
Pelo vão tanto clamavam
Os cavalos ganham luzes
Vidas novas, cicatrizes
E deveras se desdizes
Noutro rumos me conduzes
Liberdade, liberdade
Caminheiro coração
Novos dias mostrarão
Tanto brilho que me invade
Traduzindo esta esperança
Ao vergel minha alma lança.

6


“bêbados guardas-civis,”
Expressando insensatez
Do que tanto agora vês
São caminhos meros, vis
Os medonhos dissabores
Os terríveis caminhares,
Onde outrora quis altares
Já morreram tantas flores
A mortalha da esperança
Negrejando este vergel,
O cavalo, meu corcel
Novo rumo não alcança
E a cigana já previra
O apagar da velha pira.


7

“qual uma pequena praça,”
Como fosse alguma troça
A história esta carroça
Lava os olhos quando traça
O futuro em mão sombria
Adivinha a sorte insana
O que outrora soberana
Se pressente agora fria
Mergulhando neste vão
Tão nefasto caminhar,
Procurando me encontrar
Já não vejo solução
O cigano caminheiro
Solo agreste, em espinheiro.

8


“A noite tornou-se íntima”
A manhã se prometendo
Num momento que estupendo
Se desnuda em face que ínfima
Nada gera nem tampouco
Nem o medo nem a glória
A certeza da vitória
Sensação do canto em louco
Rumo feito insensatez
Nova senda se desbrava,
Quando uma alma não escrava
Propagando o que desfez
Caminhando sem destino,
Sem temor, me desatino.

9


“a ampara sobre a água”
Nada dita senão isso,
O mergulho movediço
Noutra senda gera a frágua
E o cavalo galopando
Na seara mais dileta
A minha alma se completa
Neste tempo amargo ou brando
Sinto o vento a me tocar,
Liberdade se reclama,
Acendendo logo a chama
Toco os raios do luar,
E o coração do cigano
Não permite desengano.

10

“Um carambano de lua”
Desce a Terra em claridade
E deveras já me invade
Coração cedo flutua
E galopa em raro céu
Ao gerar um helianto
Tendo a lua como encanto
Liberdade diz corcel
Fera atroz, homem vazio,
Fera atroz, insensatez
O meu canto a cada vez
Sem destino dita o frio,
E mergulho no repente,
Como fosse um penitente.


11


“com olhos de fria prata”
Bebo os raios de luar,
Navegando sem parar
Coração logo desata
E não sabe da paragem
Vaga em pleno turbilhão,
Produzindo a sensação
Novo tempo, nova aragem
E a certeza nestes olhos
De momentos mais felizes,
Se em verdade contradizes
Sigo alheio aos tais abrolhos
Que cevaste no jardim,
A manhã vislumbro; enfim.



12

“Verde carne, tranças verdes,”
Tua glória, nossa sorte
Solidão já não comporte
O que tanto agora perdes
Sabes bem vencer o medo
Tempestade tão comum,
O temor dita nenhum,
Mais até do que concedo
Num enredo tão diverso
Caminheiro coração
Vai buscando a direção
Encontrando este universo
E cigano camarada
Sabe tudo e não diz nada...

13

“balançava-se a cigana”
Caminhando sem destino
Quando vejo e me fascino,
Coração dita em profana
Voz o tanto que queria
O medonho caminhar
Cada passo irei trilhar
Nas venturas da alegria
Ou talvez em passo lento,
Sem temor em liberdade
Procurando a claridade
E me expondo ao manso vento
Brisa mansa, sol e lua,
A alma leve já flutua.

14

“Sob o rosto da cisterna”
Sob a face do não ser,
Tanto medo ou desprazer
Se perdendo em voz mais terna
Perpetua a fantasia
Se deveras nada cala,
Adentrando quarto e sala
Solução já se recria
E o galope do cavalo
No caminho mais liberto
Trilha céus, ganha desertos
Sem temor e sem abalo,
Um cigano coração
Vai sem rumo ou direção.

15

“aqui na verde varanda”
Esperança diz vergel
Ganha espaço, livre céu,
Minha sorte não desanda
Segue assim sem ter parada
Vaga estrela ganha espaço
E deveras quando traço
Sobre a sorte desvendada
Vou trilhando sem destino
Caminheiro do infinito
Liberdade mais que mito
Novo encanto e me fascino
Sigo alheio aos temporais
Procurando um rumo, um cais.

16

“cara fresca, tranças negras,”
O sorriso emoldurado
Ganha as sendas do passado
E supera velhas regras
Dita normas sabe bem
Do momento mais ditoso
Canto tanto prazeroso
Quando a noite chega e vem
Sendo assim a liberdade
Verdejando dentro em mim,
Verde rama no jardim,
Verde sonho que me invade,
Verde mata, verde encanto
Esperança em cada canto.

17


“Quantas vezes te esperava,”
Enfrentando medo ou não
Sem saber da direção
A minha alma sendo escrava
Cravejada de esperança
Ganha agora a liberdade
Esmeralda, rubi, jade
Onde a sorte ainda Alcança
Vence o risco e vai cigano
Coração entranha a luz
E a senzala não produz
Mais sequer um erro, um dano,
Vivo assim; viva promessa
Cada dia recomeça.

18

“— Quantas vezes te esperou”
Quem deveras libertário
Não conhece um adversário
Tanto rumo procurou
Em searas diferentes
Com ternura ou com vigor
Em tormento ou desamor,
Dias frios, noites quentes
E o passado aflora quando
Vejo o rumo noutra sina
A emoção que me fascina
O cavalo galopando
Sem fronteira nem limite
Queira ou não quem acredite.

19

“onde está tua filha amarga?”
Onde está teu caminhar.
Na fronteira do luar
Noite adentro não me larga
Caminhante coração
Sem desvio, segue insano
Poderia novo plano
Nesta estranha profusão
Se deveras sou assim,
Libertário. Alma cigana
Tanto errônea quanto engana
Se enredando até o fim,
Não largando este futuro
Nesta senda já perduro.

20

“Compadre! Dize onde está”
Quem deveras não devia
Sendo escravo da alegria
Desde aqui morrendo lá
Vencendo o dissabor
O não ter nem mesmo quando
O meu mundo revelando
Noutra senda nova cor
O galope do cavalo,
O caminho mais liberto,
Vou seguindo em peito aberto,
Da tristeza nem resvalo,
Tão somente a liberdade
Na verdade o que me invade.


21

“de vel, de menta e alfavaca”
De ritos e sangues tantos
Muitas vezes desencantos
A saudade não se empaca
Risca tréguas vence milhas
E não tendo mais parada
Onde quer adivinhada
Sorte tanto quanto trilhas
O vencido é vencedor
A cortante melodia
Tanto encanto quanto esfria
Esgrimando vida e dor,
Navegando em carrossel,
Alça espaços meu corcel.

22


“na boca um raro sabor”
Nos olhos um raro brilho
Quando sigo e maravilho
Adivinho aonde eu for
Cor e luto, luta, lenda
Tendas tantas ouro em pó
Cavaleiro segue só
Sem ter voz que ainda atenda
Liberdade bebo agora
Beijo a boca do cometa,
Onde quer que se arremeta
Nem saudade me decora,
Sigo a sorte do cigano
Coração velho mundano.

23



“O longo vento deixava”
Cabeleira solta esparsa
Coração já não disfarça
Expressando fúria e lava
Lavo os olhos na saudade
Levo os olhos para quem
Na verdade não contém
E decerto o peito invade
O cigano sentimento
Libertário não se cansa
Água turva, brava ou mansa
Não detém o pensamento,
Vou seguindo sem ter freio
Nem o medo mais receio.

24

“os dois compadres subiram”
O caminho desejado
Desenhando sorte e fado
Noutro rumo prosseguiram
Conseguiram velhas ramas
E deveras os cavalos,
Nada cerca tais embalos
Nem tampouco tantas chamas
E nas fráguas desta lua
Raio aberto, espesso céu
Claridade diz corcel
Minha estrada continua
Muito além do que pensara
Sendo a noite imensa e clara.

25

“feriam a madrugada”
Sem temores, cavaleiros
Galopando em espinheiros
Cada pedra desprezada
Sem saber de dor ou medo
Um cigano caminhante
Vendo a lua num instante
Verdejando o seu enredo,
Não temendo nada após
Segue rumo ao infinito
O seu sonho mais bonito
O corcel, o mais veloz
E não cala quem permite
Esta vida sem limite.

26

“Mil pandeiros de cristal”
Doces sons, velha esperança
Do vergel em aliança
Ao passeio triunfal
Rituais desvendo agora
Quando o tempo diz do tempo
Ignorando contratempo
Nem o medo me devora
Sensação de liberdade
Sensação de terra aberta
A saudade me deserta
A paixão nova me invade,
E o cavalo na montanha
Preparando nova sanha.

27

“faróis de folhas de lata”
Olhos dos telhados vendo
Se deveras estupendo
Ou se tanto me maltrata
Sorte alheia vento frio
Nada passa por aqui
Se o caminho já perdi
Coração em desafio
Desfiando cada pano
Não conhece mais temor
Seja sempre como for
Liberdade de cigano
Não se engana nem se troca,
Pelo céu só se desloca.

28


“Tremulavam nos telhados”
Ventanias, vendavais
Em cenários divinais
Os momentos já traçados
Dias velhos, novos cantos
Dias novos, velhas tramas
E deveras quando chamas
Espantando estes quebrantos
Libertário não se cansa
Leva sempre o peito aberto
O caminho não deserto
No vergel de uma esperança
Volta e meia sem destino,
Caminheiro, eu me fascino.


29


“Deixando um rastro de lágrimas”
Pelas ruas da cidade
Encontrando a liberdade
Mal importam tantas lástimas
Cerzindo esta roupa rota
Rotas novas prometidas
Nem que fosse em sete vidas
Minha história se amarrota
Riscos corro, mas se tendo
Qualquer coisa pela frente
Tempo frio, terra quente
Importando o dividendo
Se não faço nada trilho
Mas prossigo, um andarilho.

30


“Deixando um rastro de sangue”
Onde um dia se pensava
Noutro senso que não lava
Nem tampouco lama ou mangue
Perecendo o medo enquanto
Tanto posso quanto devo
Se deveras vou longevo
Já não temo mais quebranto
Sinto o vento do futuro
Bebo a chama do passado
Num momento dito o fado
Nele mesmo me procuro
Toco a lua no vergel
Cavaleiro ganha o céu.

31

“até às altas varandas”
Os degraus diversos vejo
Vão ditando o meu desejo
Novos dias e desandas
Sendo assim somente assim
Sem temor seguindo o rastro
Coração tenaz me alastro
Tomo todo o teu jardim
E cevando cada grão
E cevando com furor
A certeza de um amor
Maltratando o coração
Que cigano sem paragem
Admirando esta paisagem.


32

“Já sobem os dois compadres”
Por espaços mais distantes
Nos olhares tão brilhantes
Esperanças são confrades
Vivem liberdade apenas
Os ciganos cavaleiros
Os momentos costumeiros
Sem temores, medos, penas
Viva encanto a cada dia
Sob a lua; decididos
Os destinos são cumpridos
A certeza não se adia
E o longínquo coração
Dita sempre a direção.

33

“por onde retumba a água.”
Já se ausenta algum temor
Nova senda a se compor
Onde o tempo não deságua
Fráguas novas, novos dias
Cavaleiro bebe a lua
Sua história continua
Emergindo em fantasias
Filhos; tem com claridade
São deveras adotivos
Todos mortos, todos vivos
Na certeza que mais brade
Luta sempre soberana
Alma livre se é cigana.

34

“Corrimões verdes da lua”
Do vergel tomando pleno
Onde vejo o mais sereno
Minha sina logo atua
Caricata fortaleza
Sendo vaga nada traz
E o caminho mais audaz
Duvidando da certeza
Mel envolve cada teia
Tecelã desta esperança
Que decerto em aliança
Penetrando sangue e veia
Logo ateia fogaréu,
Ganha terra, invade o céu.

35

“até às verdes varandas”
Onde vive uma esperança
Meu olhar nunca se cansa
Dança mundos e cirandas
E desvenda com sutil
Caminhada pelo prado
Onde outrora diz passado
Onde a lua é mais gentil,
Sendo assim somando tanto
Quanto pode quando quer,
Desafio se vier
Não provoca mais espanto,
Polvilhando farta prata
A beleza me arrebata.

36


“deixai-me subir, deixai-me”
Nada segura o cigano
Nem tampouco o desengano
Se dos males já livrai-me
Vendo o corte cicatriza
Vendo o porte nada teme,
Nem sequer ainda algeme
Dominando fúria e brisa
Quanto mais em tempestade
Bem mais firme o pastoreio
O luar se for bem cheio
Desta prata que me invade
Floreando este vergel,
Galopando o meu corcel.

37

“até às altas varandas;”
Aonde não poderia
Ser nem noite tarde ou dia
Quanto queres e desmandas
Sendo assim; assim será
Desde sempre com certeza
Num verdejo a natureza
Traduzindo aqui ou lá
O que sei ser verde rama
O que sinto dentro em mim
Verdejando meu jardim,
Verde sonho já me chama
Nada temo, pois cigano,
Aventura a qualquer plano.

38


“Deixai-me subir ao menos”
Onde poderia ver
O luar amanhecer
Em momentos mais serenos
Espalhando pelo céu
O meu canto, sou liberto
Se meu rumo não deserto,
Vou cumprindo o meu papel,
Sirvo sem ter alarido,
Sigo sem temor algum,
O meu medo diz nenhum
O pavor morre esquecido
Quando vejo a lua mansa
A certeza da esperança.

39


“nem esta é mais minha casa,”
Nada tenho mais do quanto
Se perdera em tal quebranto
Solidão já não atrasa
Cavaleiro enluarado
Sem temor bebe esta luz
Quando a fúria me seduz
Revivendo o meu passado
Cravo os olhos no presente
Vejo então qualquer futuro
Se deveras esconjuro
Se das dores vou ausente
Beijo a boca da saudade
Galopando a liberdade.

40

“Mas eu já não sou eu mesmo”
Nada sinto do que sou
Se o caminho desviou
Na verdade ora ensimesmo
Livro os olhos do passado
No futuro tão somente
Não ficando pra semente
Vou bebendo deste fado,
Aguardente doce e amarga
Coração dita o destino
E deveras me alucino
Voz deveras já se embarga
Embarcando para a lua
Alma leve já flutua.

41


“ao redor de tua faixa”
Nada pode contra quem
Já sabendo o que contém
Se há temor nem bem encaixa
Vai vivendo o que pudesse
Sem saber se lá teria
Noite espalha segue fria
O futuro não se esquece
Vive sempre a liberdade
Goza deste carrossel
Desce a lua sobe o céu
Na varanda vento invade
E tormento nem sequer
Traças verdes da mulher.




42

“Teu sangue transuda e cheira”
Nada aquieta o coração
De um cigano em direção
Sem ter eira e menos beira
Segue assim estrela e céu
Navegando espaços tais
Entre raios magistrais
Desta lua, seu corcel
Não segura num galope
Verdes matas, verde encanto,
Quando se vence quebranto
Qualquer pedra que se tope
No caminho nada vale,
Seja montanha ou no vale.

43

“leva tua camisa branca”
Bandoleiro coração
Sem perder a direção
A verdade já desanca
E carrancas ignorando
Nada teme nada vê
Se procura sem por que
Desde sempre e desde quando
Verdejando lua mansa
Nos sertões e na cidade
Só conhece liberdade
Só conhece esta esperança
Verde rama, verde sonho,
Onde o futuro eu reponho.

44


“Trezentas rosas morenas”
Olhos livres no canteiro
Segue o ritmo corriqueiro
Revivendo antigas cenas
E sem nada senão isso
Liberdade ganha o vento
Toma todo o pensamento
E neste encanto já me viço
Quando quero sem algema
Não mergulho no passado
Vendo o dia vislumbrado
Do futuro nova gema
Servidão eu desconheço
Cavalgando sem tropeço.


45


“desde o peito até a garganta”
Desde o chão até a lua
Nova senda continua
Quando a voz já se levanta
Vence todo temporal
Caminhando no vergel
Verde mundo em carrossel
Verde tempo, o milharal
Sob o sol brilhando tanto
Radiando o verde louro
Parecendo nascedouro
Do meu sonho em belo canto
Canto verde, pois liberto
Esperança não deserto.

46




“Vês a ferida que tenho
Vês a marca no meu peito
Na verdade contrafeito
Já não faço mais empenho
Vou vencendo por vencer
Se preciso derrotado
Nada faço contra o fado
Libertário desdizer
Do futuro em verde rama
Do passado em lua plena
Repetindo a velha cena
Esperança já me chama
Verde mata, verde trança
Verde canto, o tempo avança.

47

“com os lençóis de cambrai”
Minha cama em prata e lua
A morena rosa nua
Coração nunca me trai
Vê no verde do presente
Vê na prata do futuro
Só não vê temor e escuro
De algum medo sigo ausente,
Nas estrelas, ganho o brilho
Nas cidades ganho o céu
Liberdade diz corcel
Alma livre de andarilho
Na morena rosa sinto
Verde tom no qual me tinto.

48

“de punhal, se pode ser”
De sangria na garganta
Desde quando se garanta
O caminho a percorrer
Liberdade se é preciso
Muito além de navegar
Verde terra vê luar
E decerto o paraíso
Vou selando o meu corcel
Galopando em ventania
O passado não me guia
Nem estrelas ditam céu
Sem destino, um andarilho
Desatino quando trilho.


49


“decentemente na cama”
Do punhal ou bala e tiro,
Quando o sonho já retiro
Verde já não dita a trama
Mas verdejo quando vejo
O meu ruma em prata e lua
A morena bela e nua
Traduzindo algum desejo
E o cigano pela estrada
Cavaleiro da ilusão
Bebe cada direção
E no fim não resta nada
Só talvez este vergel,
Onde guardo o meu corcel.

50


“— Compadre, quero morrer”
Onde nasce a lua mansa
A saudade da esperança
Contrastando com sofrer
Dita o rumo e cavaleiro
Que não teme nem a morte
Deste verde faz o norte
E mergulha por inteiro
Lua inteira, lua cheia
Nada deixa de brilhar,
No caminho por trilhar
Tanta frágua me incendeia
Vejo assim verde esperança
Nela um verde em aliança.



51

“este trato se fechava”
Se eu pudesse meu amigo
Nada tenho em desabrigo
Coração não teme lava
Vai seguindo seu destino
No vergel em liberdade
Quando a lua vem e invade
Com seu brilho cristalino
Já não tenho mais paragem
Já não tenho mais final
Rumo segue sempre igual
Procurando nova aragem
Que garanta qualquer plano
Prosseguindo qual cigano.


52

“— Se eu pudera, meu amigo,”
Se eu pudera ter liberto
O caminho que deserto
Sem saber sequer de abrigo
Esperança trança o rumo
Esperança traça o quanto
Não pudesse mais quebranto
Quando engano logo assumo
E deveras verdes ramas
E deveras verde prado,
Coração sabe do fado
E mantendo sempre as chamas
Não permite noite escura
Lua cheia se perdura.

53

“já desde os portos de Cabra”
Já desde a senda infinita
Sangrador deveras grita
Coração com fúria se abra
E deveras nada teme
Nem algema nem corrente
E se tudo já pressente
Toma o barco leva o leme
Timoneiro do deserto
Nada sabe num galope
Se este rubro logo tope
Na esperança o peito aberto
Traduzindo verde espaço
Com furor, mantendo o laço.

54


“Compadre, venho sangrando”
Já não tenho outro caminho
Nesta lua se eu me aninho
Desde cedo e desde quando
No final cigana sorte
Não prevê qualquer descanso,
E deveras me esperanço
Verdejando assim meu norte
Qualquer corte, qualquer trama
Nada mede este final
O caminho é ritual
A verdade sempre chama
Quem se faz além da lua,
Quem decerto já flutua.

55

“minha faca por sua manta”
Meu desejo pelo seu
Minha sorte percebeu
Quando alto se levanta
Traduzindo o verde louro
Da vitória que se espera
No caminho se tempera
E percebe ancoradouro
Nada temo, nada além
Do que tanto poderia,
Mas suporto esta sangria
Quando a lua ao longe vem
E clareia esta paragem,
Coração dita estalagem.

56


“meus arreios pelo espelho,”
Meu momento pela sorte
Nada tendo que conforte
Já não meto meu bedelho,
Mas cavalo vai sem freio
Galopando imensidão
Novas tranças me verão
Sem temor e sem receio,
Profusão de tempestade
Dita o rumo do cigano
E deveras desengano
Já não rompe a liberdade
Nem tampo verdes sonhos
Com certeza mais risonhos.

57

“meu cavalo por sua casa,”
Minha sina pela sua
Corre sangue beija a lua
Solução nunca se atrasa
E o medonho caminhante
E o sonante caminheiro
Nada sabe derradeiro
Nada trilha triunfante
Se não for desta vontade
De luar e verde rama
Quando a sorte não me chama
Já não tenho a liberdade,
Mas se bebo a lua cheia
O caminho me incendeia.

58

“Compadre, quero trocar”
O destino se pudesse
Mas deveras nem por prece
Nunca deixo este luar
Nem o verde da esperança
Um sonâmbulo caminho
Onde mesmo indo sozinho
A certeza agora lança
E sem freio, nem destino
Galopando o tempo todo
Desconheço charco ou lodo
Sei do mundo cristalino
Onde a lua deita nua
E deveras já flutua.



59

“sonhando na onda amarga”
Nada temo nem tempestas
Onde verdes de florestas
A minha alma não embarga
Segue sendo libertaria
Nada mais pode parar
Sob os raios do luar
Caminhada temerária?
Não conheço tal desdita
Não conheço nada além
Do que tanto me convém
E a esperança verde dita
Na cigana maravilha
Alma solta sempre brilha.

60


“Ela está em sua varanda,”
Eu percebo lua intensa
Vou buscando a recompensa
Feita em brilho e já desanda
Coração aventureiro
Não sossega no meu peito
Verdejando neste pleito
Pode ser o derradeiro
Da senzala nada vejo
Nem sequer outro momento
A poeira toma assento?
Não conforme o meu desejo
Verdes dias são constantes
Nos meus sonhos verdejantes.

61


“mas quem virá e por onde;”
Tanto faz desde que venha,
A fogueira dita a lenha
Lua minha não se esconde
Verdejando em pratas feita
Caminheiro diz cigano
Na verdade se me ufano
Alma segue satisfeita
Carrosséis vencendo o medo
Vestígios da bala em mim,
Vou chegando e bebo o fim
Desvendando algum segredo
Cedo ou tarde, nunca mais,
Não me escondo em vendavais.


62


“eriça suas pitas ágrias”
Nada teme nem ventura
Na verdade até procura
Dores quando cedo trague-as
Coração aventureiro
Segue em rumo mais incerto
Bebe sonhos do deserto
Verdejante caminheiro
Na procura destas ramas
Lua traça em prata o ninho
Se deveras vou sozinho
Logo cedo me reclamas,
Tramas tantas desencantos
Encontrando em mil quebrantos.

63

“e o monte, gato gardunho”
Escondendo a lua cheia
Quando logo se recheia
Neste verde que eu empunho
Traça em prata este vergel
Matagais, florestas, tantas
Ramas belas, verdes mantas
E o meu mundo em carrossel
Vago entranhas das estrelas
Bebo as luzes que polvilha
Lua cheia em farta trilha
Alegrias posso vê-las
E bebê-las, pois decerto
O meu rumo não deserto.


64

“com a lixa de suas ramas”
Espinheiros mais agudos
Dias fartos ou miúdos
Traçam velhas, novas tramas
Esperança se bendita
Pouco importa o fogaréu
Galopando este corcel
A presença sempre dita
O costume do cigano
De ter sequer paragem,
Coração vira estalagem
Traz mudança neste plano,
Liberdade reconheço
Já conhece este endereço.

65

“A figueira arranha o vento”
Nada impede este caminho
Se deveras eu me aninho,
Nada pode o sofrimento
Desalento nada sei
Esperança dita o mundo
E da prata que eu me inundo
Inundando toda a grei
Caminheiro um andarilho
Polvilhado em verdes tons
Sabe dos momentos bons
E decerto segue o trilho
Desta lua prateada
Bebe à farta, nesta estrada.

66

“que abre o caminho da alva”
Sol ditando brilho intenso
Na verdade lua penso
A certeza que me salva
Nada além do verde prata
Que deveras bebo agora,
Quando o coração decora
A verdade sendo ingrata
Forja nova correnteza
Bebe incerto caminhar
Mas sabendo do luar
Desfrutando tal beleza
Verdes olhos, verdes tramas,
Sei que enfim já nem reclamas.




65

“vêm com o peixe de sombra”
Nada têm senão tal brilho
Espinhando um andarilho
Que decerto não se assombra
Gira mundo, mundo gira
Nada além de um girassol
Bebe a lua, engana o sol,
Nos seus braços já se atira
Fere fundo e nada teme
Navegando no deserto
Neste campo enorme e aberto
Da tocaia faz o leme
E verdeja de esperança
Quando à lua assim se lança.

66

“Grandes estrelas de escarcha”
Sobre a terra em gotas vejo,
Nada além de algum desejo
Cada brilho dita a marcha
Vago contra o desarrumo
Desarrumo contra a vaga
O luar quando me afaga
Esvaindo a dor em fumo,
Nada além deste vergel
Prateado com carinho
Já não sigo mais sozinho
Estrelas em carrossel
Céu e chão e lua clara,
Fonte verde se declara.

67

“sem ela poder olhá-las”
Vejo luas de repente
E deveras se pressente
A mortalha feita em balas
Nada temo, sigo em frente
Um cigano coração
Sabe bem da direção
E se muda de repente
Já pressente novo dia
Verdejante natureza
Tendo enfim esta certeza
Lua tanto percebia
Um corcel ganhando estrada
Nesta noite enluarada.

68

“as coisas a estão olhando”
Tudo gira, nada resta
No verdejo da floresta
Vento forte, vento brando
Meu compadre sabe tanto
As tranças verdes daquela
Que este tempo já revela
Com olhares de quebranto
Se me espanto ou não com isso
Precipício não se faz
Caminheiro mais audaz
Com a vida em compromisso
Lua traça verde brilho
Meu corcel ganhando o trilho.

69


“Por sob a lua cigana,”
Ganha espaço em prata feito
Nada mais tomando o jeito
Coração não mais se engana
Caminheiro tida a norma
Nada tendo a mais na sorte
Com o giro que comporte
Todo o resto se deforma
E clareia em lua plena
Verdes matas, verdes olhos
Já não teme mais abrolhos
Verde que te quero acena
E o caminho se mostrando
Quando a lua verdejando.

70


“Como a sombra na cintura,”
Nada teme quem se dá
E singrando desde já
No punhal encontra a cura,
A cigana lua vendo
Tal cenário em verdes tons
Desce em raios traça em dons
Os desníveis como adendo
E o corcel ditando o rumo,
Nada teme que deserta
Segue estrada agora aberta
Se esvaindo feito fumo,
O cavalo na montanha
Verde tempo, verde sanha.

71


“e o cavalo na montanha”
Ganha lua prata além
Quando o sonho ainda vem
Verdejando o perde e ganha
Nada tendo com a sorte
Que deveras se transforma
O luar ditando a norma
Tendo o tempo que conforte
Lua cheia, carrossel
Prata em verde caminhada
Esta lua vislumbrada
Dominando todo o céu,
Nada temo, vou em frente
Um cigano em voz ardente.

72


“O barco por sobre o mar”
O cavalo ganha a lua
Encilhado já flutua
Aprendendo a navegar
E o que fosse contratempo
Um verdugo se verdeja
Tendo tudo o que deseja
Doma o céu e vence o tempo,
Meu compadre não se esqueça
Do cigano companheiro
Vasculhando o derradeiro
Canto que me fortaleça
Prateando o verde louro
Tendo enfim ancoradouro.

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